O Moinho de Lug



O gigante de ferro pisoteou um enxame de esqueletos que havia acabado de brotar da terra. O metal, rijo e pesado, fazia a terra tremer. Os gêmeos gnomos permaneciam aderentes às costas do golem, como aranhas que se prendem às próprias teias. À altura da segurança, os mecânicos bombardeavam o solo com frascos vermelhos e explosivos. A esfera vítrea no abdômen do gigante de ferro atraía os relâmpagos da tempestade maligna e convertia aquela energia profana em raios flamejantes que eram disparados contra as grotescas criaturas aladas que choviam das nuvens escuras.


Dentro do Moinho de Lug, Runo e Orchestra se esforçavam. Os anões giravam um par de manivelas apoiadas sobre um mecanismo que muito parecia uma improvisação miserável de engenharia. Vez em quando saltavam faíscas das engrenagens e torravam a barba de Runo, que reclamava com razão: “Engenhoca miserável!”. O movimento das manivelas movia um motor, uma hélice sustentada por beretas do mais duro e firme ferro, mas a vibração era tamanha que o ruído soava cada vez mais alto. “Continuem, está dando certo!”, afirmava o gnomo Lufahic, pinotando entre barris e caixotes para alcançar um sistema de alavancas e engrenagens igualmente improvisado. Ithias voava frente às paletas do Moinho de Lug e quando um festrog se livrava de ser pisoteado pelo gigante de ferro, era recebido por uma saraivada de mísseis mágicos disparados de sua varinha. Os ventos da tempestade, que parecia antever que estava sendo derrotada, balouçavam suas longas barbas brancas e vestes igualmente esvoaçantes: “Depressa com isso, Lufahic!”, o mago gritava apreensivo.


“Mais depressa!”, exigia Lufahic dos anões.


“Era só o que me faltava…”, arfava Runo, “um duende me dando ordens!”, reclamava enquanto esforçava-se o dobro para dar velocidade à rotação das engrenagens, “... tenho que parar de ouvir os chamados de Adhraim!”. Num último esforço, o mecanismo viveu e roldanas e engrenagens passaram a trabalhar emitindo vapor e faísca.


O Moinho de Lug estremeceu, seu interior bombeava movimento e eletricidade. O ferro rangia em resposta à vagarosa atitude de rotação das paletas. Ithias tomou distância: “Está funcionando!”, e a velocidade do giro aumentava gradativamente. O moinho tornava a tremer, como se estivesse prestes a desabar: “Isso vai aguentar, Lufahic?”, perguntara o anão Orchestra, a quem o gnomo respondeu: “Nunca duvide de uma criação gnômica”, e puxou a última das alavancas.


Pequenos parafusos se desprenderam da engenhoca e Lufahic correu até a janelota de vidro para avisar à Ithias: “Agora, mago!”. Ithias voou, sob a proteção do gigante de ferro e os gêmeos gnomos, até a frente da construção que era o Maquinário e com breves gestos arcanos fez os portões de ferro e engrenagens se abrirem num estrondo mecânico. “Aqui, bichinho…”, o mago sussurrou tentando manter a tranquilidade, afagou o cristal na ponta de seu cajado e este emitiu uma luz opaca. Saía da escuridão do Maquinário a fera conhecida como destrachan. Pisava firme no chão molhado de água da tempestade que invadia tudo. A criatura sauróide, pesada e sem olhos, parecia amedrontada com a situação.


Trovões ressoaram nas trevas e a audição hipersensível da criatura a fez tremer de raiva. Ela investiu contra Ithias, enfrentando a chuva e os raios, brandindo sua principal arma: o estrondo sonoro. O mago alcançou altura suficiente para sua segurança e a criatura berrou a rajada sônica em sua direção. Dentro do Moinho de Lug, Lufahic alcançava o mais alto dos vãos de aparelhagem e parecia apreensivo: “Captando ondas sonoras em três, dois… TAPEM OS SEUS OUVIDOS!”


As paletas do moinho, girando como hélices, emitiram o ruído subsônico que resultou numa ensurdecedora explosão invisível que varreu quilômetros a partir dali. Os ágeis zumbis de punhos treinados tombaram diante a potência da arma e o próprio gigante de ferro desequilibrou-se enquanto era empurrado por um impulso violento. Nenhum ser vivo ou não vivo deixara de ficar atordoado… mas o estrondo sonoro tinha uma meta muito maior do que essa.

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