[Extra] Cena 2 - A Torre da Coroa

A Torre da Coroa

 

 

                A torre da coroa, foi assim que Aensell havia chamado aquele lugar. “A luta de vocês será na torre da coroa” e ali as crianças perdidas estavam. Carniçais e inumanos escalavam a imensa torre como se fossem um exame de insetos. Cravavam suas garras nas fissuras da ruína e escalavam sem exaustão, pois não tinham vida, nem precisam de fôlego. Um inumano, que há pouco tempo havia sido um dos magos da Fênix Branca chegou no alto da torre cercado por um bando de outros tantos, sibilou as palavras finais de uma magia e vomitou uma nuvem negra e dentro desta havia as faíscas de uma tempestade púrpura. Energia negativa, capaz de ferir os vivos e curar os mortos. Ali, aquele mago, agora morto-vivo, restaurava a vida dos companheiros do exército e estes rasgavam e mordiam violentamente o corpo volumoso de um lorde das profundezas, um coroado balor cujo chicote de chamas tinha três pontas e o escudo medonho havia sido costurado da pele daqueles que sofriam no quinto inferno.

O chicote estalou e um rio de chamas infernais relampejou em uma dezena de mortos-vivos que caíram como moscas esmagadas. O balor cravou seu escudo de almas gritantes no chão formando uma fissura ardente no ápice da torre, sibilou algumas palavras no idioma do abismo e abriu a palma de sua mão onde a cicatriz de um pentagrama invertido estava desenhada fundo na carne. Brasas circundaram aquele símbolo e todos puderam ouvir o som das correntes se desatando para, em seguida, se estenderem como uma teia cujo as pontas enforcavam espectros famintos envoltos de chamas negras infernais. Aquelas coisas devoraram a barreira de inumanos que protegiam o mago e consumiram o conjurador.

Violet lamentou. Ela era uma garotinha em meio a todo aquele tumulto. Tinha cabelos da cor púrpura bem claros, uma maquiagem branca excessiva no rosto, roupas asuran e um punhado de pergaminhos soltos drapejando às suas costas como um manto de cartolina. Ela sempre lamentava quando uma de suas crias era dizimada. Alguns de seus mortos-vivos, ela não sabia como, nasciam com muito mais poder do que outros e retinham parte de seus conhecimentos em vida. Ela estava maravilhada, pois outra luta que ocorria a poucos quilômetros dali nas ruínas do pântano do ébano, além de garantir uma quantidade quase infinita de matéria-prima, também trazia essas criaturas raras conjuradoras de magia. Os “únicos” como ela mesmo chamava.

Violet, precisamos de mais!  gritou Derek, um moleque magricela com a tatuagem de um dragão usando como arma uma clava com três pregos tortos.

− Eles estão vindo. Tem muita matéria-prima lá em baixo, irmão – respondeu sem nenhum pingo de empatia.

                Um corpo pesado caiu das alturas sendo arremessado pelo chicote trifurcado do balor. O lorde das profundezas pisoteou o adversário duas vezes e urrou em gloriosa profanação. Um garoto com aparência de doze anos, robusto e roliço, se ergueu cheio de escoriações nas grandes bochechas, cotovelos e joelhos. Derek olhou para o companheiro preocupado, mas não tanto. O menino gorduco sentiu vivacidade explodindo em seu peito, cerrou os punhos e sorriu em confuso contentamento.

− Mais um! Mais um! – ele gritava em comemoração – puxa vida, olha só este cara, veio muito a calhar!

− Halig! Atenção! O exército de Violet não aguentará muito tempo! – Derek lhe chamou atenção, pois o menino gorducho, seu nome Halig, tinha um irritante déficit de atenção.

− Sim, sim! Já vou. Deixa eu experimentar meu amigo novo! Ele é... – Halig parecia perdido em pensamentos...

Derek rolou uma moeda para o alto e ela caiu nas costas de sua mão apresentando aparentemente o resultado certo, pois o moleque riu de contentamento.

− Aqui, monstro feio! Aqui! – sem pensar duas vezes, Derek investiu contra o balor. Os olhos infernais da criatura vieram ao seu encontro e um bafo de cinzas soprou de sua boca. A criatura ergueu o chicote e a tira de chamas ardentes trovejou despedaçando mais uma dezena de carniçais, em seguida relampejou na direção de Derek que, numa acrobacia, tentava passar por debaixo das pernas do monstro.

− Victorius! – lembrou-se Halig – mais um poderoso guardião de Splendor morreu. Seu nome é Victorius! – estendeu o braço direito e interpôs o esquerdo diante do peito, como se simulasse o uso de um escudo. Um barulho metálico ressoou da extremidade de um mangual feito de energia que acabara de desenrolar das mãos do menino gorducho. Mais do que isso, o menino já não tinha doze anos, agora aparentava trinta e era um homem de peito nu e peludo, muito musculoso, como um legionário de Azran. No braço esquerdo, vindo de uma centelha de luz, apareceu um escudo grande de aço com o símbolo de Splendor.

O balor alvejou Derek e, talvez pela primeira vez na vida dele, notou algo inexplicável acontecer. O chicote de chamas enrolou a própria perna e, na tentativa de se livrar o engancho, o lorde das profundezas se viu caindo com o próprio golpe.

Halig investiu como um gladiador, com seu mangual zunindo em voltas muito rápidas, ecoando o assobio da celeridade. O lorde das profundezas coroado tropeçou, o escudo desvencilhou de seu antebraço e seu crânio demoníaco ficou ao alcance de Halig. O mangual foi certeiro. A cabeçorra do demônio rachou. Um caminho vítreo rompeu o queixo e se estendeu pelo lábio até alcançar o olho esquerdo. O calor infernal soprou da fissura formada em seu rosto.

− Deja vù – comentou Halig após executar o golpe. Sentiu mesmo que já havia presenciado aquela cena.

O balor, entretanto, não estava derrotado. Se ergueu furioso, seu rugido fez tremer os alicerces da torre e de quilômetros de ruínas ao redor daquele ponto. Então, vieram os outros lordes da profundezas, estes com asas despedaças, chifres arrancados e enorme feridas no corpo. Não podiam voar, não carregavam armas, nem mesmo o chicote, tinha apenas as garras. Garras que eles haviam usado para escalar a torre da coroa.

− Chegaram – sussurrou Violet contente.

Seis lordes das profundezas previamente eliminados pela Fênix Branca agora jaziam no teto da torre que já não aguentava tanto peso e começou a desabar. Os seis balors cravaram garras e presas no balor coroado e juntos afundaram nos destroços, desabando com tudo.

Derek equilibrou-se, então notou a cratera se formando no chão da torre da coroa, retirou uma chave do bolso e cravou ela num plano imaterial, depois arregaçou a fissura que foi formada e jogou sua moeda lá dentro, logo, a torre inteira desabou espalhando cinzas e destroços por toda parte.

Ninguém sobreviveu àquilo, mas os sete lordes das profundezas haviam sido eliminados. Agora era a vez de Aensell.


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