Israfil, o último mártir consagrado |
Desde que deixou de ser
um simples coveiro da cidade
de Corvis, Israfil teve muitos nomes e títulos. Aprendeu à duras penas que o
mal pode criar raízes em qualquer lugar e que até os seres angélicos podem
sucumbir à corrupção. “Eles não sabem o que fazem” era um mantra repetido todas
as vezes que ele se punha em dilema. “O egoísmo deixa qualquer um cego. Para
que um ato de bondade se torne vil, basta a intromissão de alguém com boas
intenções”.
Quando considerou que já tinha alguma sabedoria, viajou para Azran, mais especificamente para Zenith, a cidade da luz, sede da Igreja da Cruz-Espada e o reino da rainha Lisbeth, a libertadora.
“Eu sou o último dos mártires consagrados”, atreveu-se a revelar quando em frente ao trono dourado e depois de perceber a desconfiança de todos que ali estavam disse: “Diga o que devo fazer, minha alteza, para convencê-la disto”, mas a rainha não precisou responder, pois o olho dourado de Israfil revelou, então respondeu: “Vou libertá-lo da morte eterna por você, minha rainha”, então, partiu sob o olhar perplexo da líder de Azran.
[...]
Teomund apareceu em meio à escuridão das Ruínas dos Gigantes de Outrora. Varuz, um forjado metálico com quase dois metros de altura estava ao seu lado e era muito além de um mero guardião protetor do mago, era, definitivamente, um aliado e sua cabeça de chacal perscrutou o escuro notando a existência de dois outros indivíduos.
– Preferir a escuridão é um estereótipo infundado para clérigos de Veronicca – comentou Teomund enquanto com um simples gesto invocou globos luminosos para tornar o lugar detalhadamente visível.
O mago de vestes brancas e cenho austero junto ao forjado de metal não reconheceram os dois que já estavam lá como inimigos. Já era esperado que ali estivessem.
Aquela seria a quinta Reunião dos Atemporais, embora alguns representantes permaneceriam ausentes. Sebille, uma clériga de Veronicca que sempre mantinha o rosto pintado como uma caveira e um pitoresco e muito velho guerreiro nomeado apenas de “plantador de cebolas”, formavam os quatro primeiros a aparecer.
Há muito o que se falar do lugar onde a reunião aconteceria. Escondida durante eras, apesar de ser uma das criações mais grandiosas do passado, a Ruína dos Gigantes de Outrora era um cemitério de conhecimento e poucos conseguiam ressuscitar seus segredos. Havia uma centena de perafitas reunidos como um imensa coleção de guerreiros de terracota, adormecidos por milênios.
Teomund apontou para um dos pré-históricos homens de pedra e madeira e perguntou:
– Então, aquele é o último?
– De acordo com Ithias, sim – respondeu Sebille – Sethos vai aparecer?
– Dessa vez, não. Arafat, Hydro e Kaiross também não. Estão ocupados em outros limiares... e quanto à Ian e Emerald?
– Já estão aqui, mas, você sabe como o casal é reservado. Aparecerão quando tiverem que aparecer.
Um brilho azulado cobriu o chão em que todos pisavam. O círculo de teletransporte havia sido ativado e de dentro dele, o velho Ithias e seu cajado tortuoso apareceu. Curvado pelo tempo, cansado pela missão, o mago de túnica azulada com padrões estelares esboçou um sorriso contente por encontrar o restante da equipe, ajeitou o pequeno óculos no rosto e massageou as têmporas.
– Fez o que devia ser feito, Ithias? – indagou Teomund.
– ...e eu me permitiria falhar nesse momento? Tive muitos momentos para falhar, mas dessa vez não existe espaço. Meu caros, o bem e o mal são nossos inimigos.
– Você diz a verdade, os escrivães de sangue me contaram que o samurai e o clérigo continuam vivos. Quanto ao crepuscular, Veronicca já aprovou seu destino, logo os três vão se encontrar.
– Eu e Varuz nos certificamos de que o anão cinzento escapou – completou Teomund.
– Até então, todos nós fizemos como o esperado. Haverá um momento em que não poderemos influenciar nenhuma peça, até lá, gastemos todas as nossas jogadas – comentou Ithias, o observador das estrelas, depois, ergueu os braços diante o exército de perafitas e clamou:
– Eis a hora de aparecer, casal exilado!
... e, como fantasmas formados de brumas, Ian e Emerald surgiram. Eles eram o silêncio, apenas aqueles capazes de entender o idioma dos mortos eram capazes de entende-los e ali, apenas Sebille e Ithias pareciam ser. Ian e Emerald, entretanto, gostavam de se comunicar através de impressões de forma que raramente sussurravam qualquer sílaba, mesmo na língua dos fantasmas. Ambos tinham cabelos longos como uma cascata de escuridão, Ian tinha a pele pálida, quase vampírica e vestimentas vermelhas como o sangue que escorre numa parede crispada de fungos escuros, enquanto Emerald vestia branco, como uma noiva fantasma sedutora, porém, incapaz de flertar.
Ian esticou a mão perante Ithias e o mago de barbas longas entregou-lhe um velho pergaminho. O casal era um par de escrivães de sangue, seres que carregavam a história de muitos através do tempo e dos planos, criações exemplares da deusa da morte. O amante entregou o pergaminho para Emerald que o desenrolou e analisou a figura, enrolou-a novamente e entregou ao amado assentindo positivamente com o rosto.
Ian perfurou o dedo de Emerald com uma pena, em seguida sugou-lhe os últimos pingos de sangue que teimavam em brotar. Depois, deixou a gota de sangue cair sobre o pergaminho e esperou que o fluxo do líquido escuro e vermelho formasse algo. A arte obscura do casal havia concluído um longo processo ritualístico e agora, o desenho estava completo.
Ithias pegou o pergaminho para si, observou os perafitas adiante e, enfim, revelou:
– Agora, o próximo passo é com os membros restantes do nosso grupo.
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