Aconteceu em dez anos, no reino de Sazancross - Parte 02 - Dor sagrada

 


            As mãos morenas de Sophie agarraram-se nos cobertores com uma firmeza que jamais ela havia tido empunhando seu martelo. O suor pinga de seu rosto, o sal arde em seus olhos e tempera seus lábios, então, houve um grito de dor dos mais genuínos. A cama na qual jazia deitada estava cercada por um grupo lisonjeado de sacerdotisas de Marah Aruat orando com afinco. Uma destas retorcia um pano branco ensopado fazendo pingar o suor de Sophie em uma cumbuca feita de rocha vulcânica, outra, a mais experiente, mantinha contato visual com o entrepernas e ancas volumosas da paladina.

 O chão tremia respondendo aos gritos da sofrida guerreira e aos cânticos sagrados das sacerdotisas. Lá fora o céu se fechava na cor cinzenta e as cinzas do vulcão onde o primeiro templo de Marah Aruat havia sido erguido dançavam ainda em brasas rodopiando pelos ares do reino de Sazacross, chamando pela tempestade que mais tarde cairia sobre o reino da deusa da reencarnação, mas os primeiros relâmpagos ecoaram do quarto onde os seios suados de Sophie já se enchiam com o primeiro sumo de uma vida. As mãos da paladina estavam laceradas pelas próprias unhas por causa dos punhos que se apertavam forçosamente na vã intenção de amenizar a dor.

Mais um grito, e um filete de saliva se esticou e rompeu na boca da mulher. As sacerdotisas agradeciam à deusa pelo sofrimento alheio. Sophie resistiu mais uma vez à desejosa vontade de desmaiar, já não queria manter os olhos abertos, pois o esforço da situação promoveu uma visão turva insistente que nada ajudava no momento. As esperanças da paladina apenas se renovaram quando esta sentiu o volume sair entre suas pernas evocando um esganiçado choro tão esperado. A madre das sacerdotisas enfiou as hábeis mãos no lugar e adotou o lamento ensanguentado, frágil e sagrado.

Sophie desabou, mas não se permitiu descansar, não enquanto a cria, ainda chorosa e suja, não fosse entregue a ela. Exigiu aquele momento mais de uma vez e finalmente colocaram o recém nascido apoiando a cabecinha em seu peito. Ele se aninhou, sentiu o coração da mãe e o toque quente em suas costas, então, encerrou a lamentação e inconscientemente farejou o mamilo da progenitora para, enfim, dá-lhe a primeira sugada.

─ Está realizada, filha ─ Sophie deixou as lágrimas rolarem ─ a minha missão mais sagrada foi realizada! Eu te protegerei, filha da reencarnação, eu cederei a você minha própria vida quando for preciso, minha querida Ofélia.

            A paladina, sem sentir, entregou-se ao cansaço e a bebê, notando que aquilo era algo bom, dormiu também. A semente da deusa brotou naquele dia, como prometido, e os ossos da antiga Ofélia foram incinerados no vulcão antes que a tempestade noturna atingisse Sazancross.

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