Uma jornada inesperada


Os passos naquela úmida e densa escuridão pareciam se estender por horas e horas... Uma eternidade. Cada passo ecoava e era difícil enxergar qualquer coisa que estivesse ao redor. Guiava-se pelos sons dos pingos de água que escutava aqui e ali. Que lugar era aquele? Nem sequer lembrava-se de como tinha ido parar ali. Havia algo estranho naquele lugar. Algo que espreitava na escuridão, enquanto os passos continuavam a seguir ecoando. Será alguma espécie de gruta? Uma caverna? Não se lembrava de nada parecido com aquilo. Haveria desmaiado e perdido o sentido da direção? O pior era não saber sequer se havia algum caminho de retorno, pois tudo era um vasto nada. Sua única esperança era seguir a água e ver se levava para algum lugar onde pudesse achar luz ou uma saída.

Enquanto os passos iam de um lugar para outro, a respiração de outra presença ainda mantinha-se escondida. Era divertido observar o quão à outra estava perdida e mal sabia para onde ir ou o que fazer. Segurava-se para não rir, pois deveria esperar pelo momento ideal. Ainda havia esperanças no caminhar e confiança demasiada para ser de fato o momento propício para a sua entrada em cena. Não demoraria muito, por mais tenaz que fosse sempre conseguia quebrar a alma de seus alvos, não seria diferente agora. E a espera era empolgante. Seria uma diversão que aproveitaria até a última gota.

[...]

A luz da alvorada aquecia languidamente o corpo esguio que estava sentando em uma pedra. Os olhos estavam fechados, porém o sono estava bem longe dali, foi uma madrugada insone. Ao perceber a fraca luminosidade, os orbes cinzentos abriam-se num gesto calmo e despretensioso. Um suspiro encheu de vida a elfa de cabelos azuis, enquanto levantava da pedra. O ambiente era agradável para ela, à paz que a natureza trazia era algo que ela havia aprendido a respeitar e admirar. Perdera as contas das vezes em que necessitara ficar só e seu alento era observar e deixar a natureza agir em seu espírito. A manhã estava ainda um pouco nublada e a bruma não se dissipara o suficiente. As gotas de orvalho deixavam refrescante o momento. Após o breve momento de contemplação que lhe ocorria, era hora de agradecer.

Conforme o que era pedido a ela por sua senhora estava a procurar lenha, gravetos e folhas secas. Erguera uma fogueira modesta e esta foi acesa ao redor de pedras para conter o fogo. Quando a brasa estava forte o suficiente, ajoelhava-se na frente desta, pedindo pelas bênçãos de sua divindade. Ela que era serva do fogo, apreciava enquanto pedia. Aquele momento era único e requeria toda a atenção da elfa. Este fato a fez não perceber uma aproximação repentina.

- Você demora demais para acordar! - uma voz feminina aproximava-se. - Parece que gostaria de ser atacada durante o sono por saltimbancos! - um sorriso sútil aparecia nos lábios da outra elfa. 

Aefendit era uma elfa de pele cor de âmbar e tatuagens de uma pigmentação dourada que destacavam a beleza de seu rosto. O cabelo cacheado estava arrumado em dreads com adornos da mesma cor das tatuagens. Os olhos eram de um claro verde. É seu jeito era felino e garboso. Da mesma maneira de Sapphire, se beneficiava de ser uma profunda conhecedora da natureza de certas criaturas. Também conhecendo melhor a região para onde estava indo junto à inquisidora de Carmine.



- Dormir foi a última coisa que poderia fazer! Deveria saber que não é de bom tom atrapalhar as preces alheias! - a fala de Sapphire era seca e cortante ao terminar de clamar. Sentia o poder divino junto a ela e com isso levantava-se, apagando a fogueira com cuidado. - E lhe pedi que viesse, pois saberia rastrear aquele imundo melhor do que eu. Não para ficar tomando conta de mim como se eu fosse uma criança. – seu rosto estava incrustado por uma expressão séria que não conseguia remover desde que saíra naquela jornada.

- Após anos sem um contato sequer, não tem um pingo de sensibilidade e gratidão por ter vindo lhe ajudar? - o tom antes brincalhão, agora tinha um toque de mágoa. - Depois do que houve, você sumiu... Foi pra Shantae sem sequer avisar. E agora aparece do nada e ainda tem a preten... – sua fala sendo interrompida por um gesto da mão de Saphire que se erguia em um pedido até brusco para que ela parrasse.

- Estamos aqui por outros motivos. Não vim mancomunar com o passado, Aefendit. Sabe que pedi sua ajuda exclusivamente por Ametista. - facilmente a elfa inquisidora se aborrecia e com aquela situação não era diferente. Fechava sua bagagem de viagens com certa força e impaciência. Então começou a rumar para a direção que a irmã, Cornalina, tinha lhe indicado ir. Estava determinada a achar a irmã e não tinha tempo para nostalgia ou sermões. 

[...]

Já havia se passado muitos dias desde que vira o grupo de Brastav pela última vez. Esperará apenas o suficiente para que ficasse desacreditada de qualquer melhora vinda da irmã resgatada. Os curandeiros lhe alertaram que a situação de coma a qual ela encontrava-se era praticamente permanente e que alimentar esperanças seria perca de tempo. Primeiro os pais, agora Cornalina. Sua irmã tinha sido alegre, otimista e estava sempre pronta para reconfortar os outros quando necessário. Era doloroso demais observá-la naquele estado praticamente vegetativo. Em meio a todo este caos, ela achou um sentido ao saber que Ametista, outra irmã, parecia estar em perigo. O tempo era seu inimigo e costumava não ser piedoso. 

O cavalo relinchava na manhã quando Sapphire saiu em direção a terras desconhecidas. Seu foco era salvar a irmã a todo custo. Passaram-se dias e dias até que ela tivesse uma pista de onde poderia estar sua irmã. Uma pista bem desanimadora. Havia escutado de alguns transeuntes na estrada, enquanto pedia informações sobre a irmã, que aquelas áreas não eram seguras para elfos, especialmente sozinhos. Era sabido que existia a presença de um elfo negro que estava buscando cair nas graças de sua senhora. Se suas suspeitas fossem reais, as chances de encontrar a irmã com vida estavam cada vez menores. Não importava agora. Tinha de se preocupar em resgatar Ametista de qualquer maneira, mesmo que para isso tivesse que reavivar o passado mais do que gostaria. Precisou contatar Aefendit, esta que era mestre em caçadas contra drows. Se alguém poderia rastrear estes seres asquerosos era sua antiga colega. 

[...]

- Não precisa se aborrecer tanto assim. Você sabe que sua família era muito ligada a minha. Crescemos juntas, Sapphire, todas nós. Não era assim que você costumava agir... Era tão calma, dócil e quieta. Pacífica! Sempre achei que você seria uma sacerdotisa tão devota! - a elfa morena insistia em puxar a mente da outra para o passado. - Ametista é minha amiga. Vim ajudar por ela também, mas quem precisa de meu auxílio agora é você. - 

A viagem continuava silenciosa e tensa. Ambas pareciam saber muito bem o que estavam fazendo. Rastrear alguma coisa ou alguém é uma arte que só pode ser aprendida de fato com muita prática. Os anos em Shantae foram imprescindíveis para que a elfa de cabelos azuis pudesse estudar essas técnicas, mas para o que estavam fazendo Aefendit era magistral. Um gato selvagem não se moveria com maior elegância e leveza. 

Ambas tinham sido amigas durante praticamente toda a vida, até que Sapphire partira para Shantae sem se despedir de ninguém, deixando até suas irmãs para trás. Era óbvio que não queria conversar sobre aquilo, então preferia manter-se calada, numa tentativa de que a outra desistisse de falar sobre o passado. O tempo parecia passar de forma lenta para ela. Em sua mente só conseguia pensar na irmã que estava em perigo e em Cornalina. Sentia-se culpada por ter abandonado as irmãs daquela forma, porém achava que era a melhor opção. Não tinha notícias das irmãs a mais de 20 anos e aquilo tinha lhe deixado em um estado de profundo torpor em relação a família. Provavelmente estivesse sendo castigada, provavelmente.

- Quanto tempo acha que ainda vai levar para acharmos este drow? - apesar de conhecer a nobre arte da caça, a impaciência para achar a irmã consumia o interior da patrulheira. 

- Seja paciente!  Talvez mais alguns dias. Rivergate está apenas a um dia de viagem. É pra lá que estamos indo. Pegamos o caminho menos convencional, porque você insistiu para que não fossemos vistas por mais ninguém a quatro dias atrás. Eu entendo sua preocupação, mas isso nos custa mais tempo. - 

- Talvez tempo seja algo que minhas caras preciosidades não tenham para partilhar. - a risada sádica e a voz masculina se misturavam a dor lancinante que Sapphire sentia entre as costelas. - Esta aqui é uma joia rara, não é meus caros? - a risada prosseguia enquanto a elfa sentia uma mão segurando seus cabelos fortemente. A dor estava queimando seu ventre, enquanto ela tentava se debater, porém sentindo os membros pesados e lentos.

- SAPPHIRE! Seu imundo solte-a agora! Eu vou tirar esse sorriso do seu rosto. - Aefendit fez movimento para puxar o arco, porém foi surpreendida pelos companheiros do elfo negro. - Você vai ter um final em breve, seu maldito! - ao contrário da outra, a morena com seguia debater-se e ralhar contra os seus capturadores.

- Ela terá lindos sonhos... Antes de ter uma morte bastante dolorosa. E se você não se acalmar, minha preciosa, não poderá assistir ao fim dessa aqui. Os traços dela me lembram dos de outra joia que vi, mas esta não me escapará como a outra. - o olhar de Lar'kull era de uma cobiça sem fim, enquanto pensava nas atrocidades que poderia fazer com ambas as suas novas aquisições. - Minha senhora ficará muito feliz quando souber do meu sucesso. Sapphire... Uma joia de fato, que casualidade curiosa, não? – movia-se, colocando uma Sapphire imóvel e impotente nos ombros. Enquanto os outros dois amordaçavam e amarravam uma Aefendit furiosa, porém contida como uma besta encurralada que espreitava o melhor momento para o contra-ataque.



Era uma situação complicada para ambas, mas pelo menos se Ametista estivesse viva teria escapado daquela situação. Aquilo alegrava um pouco a mente conturbada e drogada de Sapphire. Não muito longe dali, uma silhueta permanecia imóvel escondida na folhagem, enquanto espreitava toda a situação. Um individuo excêntrico e que certamente muito interesse tinha naquilo, porém sem saber o tanto que estava envolvido na busca de Sapphire.



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