A bordo do Sussurro Maldito

 


Não era o melhor lugar, de fato, mas o único longe da percepção da Tríade. O destino fez com que o dobrão amaldiçoado caísse nas mãos de Eitri e o tornasse capitão do Sussurro Maldito, uma embarcação misteriosa, coberta por uma névoa densa, carregada dos espíritos daqueles que sucumbiram nela.

Quando Ryuujin precisou de um lugar secreto para seu treinamento com a recém restabelecida Pardal, o anão cinzento não pôde recusar a ideia de oferecer sua morada amaldiçoada. Aportada no Porto do Assombro, nenhum morador do distrito sequer chega perto da caravela impregnada pelo frio da morte trazida do longínquo oceano.

A Maldição do Sussurro Maldito

Na Taverna do Sol Tênue, Eitri conseguiu o dobrão amaldiçoado das mãos de uma meio-orc desesperada. Apesar de salientar que a pesada moeda de cobre era maldita, o anão cinzento a recebeu e, assim como o destino reserva, tornou-se o dono da Sussurro Maldito, uma caravela antiga, de duas velas e de médio porte cercada por uma misteriosa névoa.

Durante o mês que Eitri passou na cidade de Mau Presságio, ele pôde coletar algumas informações (principalmente quando indagou marujos nos distritos do Porto do Assombro e Bafo de Peixe). Conta a história que Sussurro Maldito foi uma embarcação despertada do Cemitério das Caravelas, uma baía distante localizada no oriente do reinado que é o destino da maioria das embarcações naufragadas no mar do sul. Isso explica sua origem maldita.

Contam que Sussurro Maldito tem vida própria e que ela atrai os monstros e fantasmas do mar para o convés, situação que acaba encerrando o destino de cada tripulação que enfrentou os mares ao seu lado. Seu primeiro capitão chamava-se Lua Sangrenta, ele tratava Sussurro Maldito como um ser vivo, falava e alimentava ela com as almas daqueles que matava no mar.

As histórias em torno de Lua Sangrenta são ainda mais medonhas do que a maldição em torno de sua caravela, com finais que geralmente culminam em um oceano tingido com sangue de suas chacinas. Alguns velhos lobos do mar dizem que Sussurro Maldito chama por seu capitão quando em águas longínquas, mas seus sussurros acabam trazendo tudo o que é de ruim nos oceanos para si.

Dizem que as almas da tripulação de Lua Sangrenta ainda vivem na Sussurro Maldito e que esses espíritos são responsáveis por reconstruir a embarcação todas as vezes que ela naufraga e que a névoa que circunda a caravela são indícios do frio exalado pelos espectros.

Ryuujin, Pardal e a aura da maldade

Quando Ryuujin pôs o primeiro pé em Sussurro Maldito, a sensação foi de estar tocando um mal palpável. 

- Não é um lugar apropriado para um treinamento - comentou com sua nova mentora, uma samurai experiente, agora transformada em marionete da Tríade, reconhecida pela alcunha Pardal.

- Engana-se, Ryuujin. Este é um lugar perfeito - ela discordou.

Sentindo como se grilhões estivessem apertando seus braços e pernas, Ryuujin começou um treinamento complexo com o intuito de deixá-lo ainda mais vinculado com a katana, a arma que deu origem ao seu destino guerreiro.

- Existe nessa caravela uma maldição que não deve ser ignorada. É o último suspiro desse capitão que Eitri nos falou, o tal de Lua Sangrenta. Alguém que depositou os últimos fiapos da existência na possibilidade de retornar quando finalmente encontrado - comentou Pardal num dos intervalos do treinamento de Ryuujin - extirpar esse mal até a última gota deveria ser uma jornada heroica para um campeão como você.

- Eu sou Ryuujin, vim das terras de Asura e sou um executor imperial. Minha luta é resgatar as memórias de minha terra natal e tirá-la do esquecimento - ele respondeu decidido.

- Para a sua luta, você precisará de mais do que apenas resolutas decisões. Precisará de Masamune e Muramasa, as espadas do Imperador Tigre. Lembra-se da história por trás dessas espadas, Ryuujin?

Ryuujin fez um esforço, mas foi afligido por uma breve dor de cabeça. Massageou as têmporas e respondeu:

- Eu lhe contei sobre minha situação. Sobre o sangue que me foi arrancado pelos drakhain. As memórias de minha terra foram afetadas por isso, uma maldição que parece estar se alastrando...

- Cuidaremos disso aos poucos e saber a história por trás dessas espadas é um começo.

"Muramasa e Masamune são katanas forjadas pelos irmãos que deram origem ao povo de Asura. Seus espíritos foram guiados à este par de katanas como sendo um só. Forçados a entrar numa guerra onde apenas a determinação e a fé poderiam vencer, eles viveram numa era onde a soberana rainha de todos os dragões cromáticos, há muito banida, governava essas terras mesmo estas pertencendo a outros deuses. Seu nome era Tiamat e os dragões cromáticos eram seus filhos subservientes. [...]

[...] Tiamat tinha um inimigo: o dragão paladino chamado Bahamut, senhor dos dragões metálicos. Os exércitos de Bahamut, enfraquecidos por auxiliar outros mundos, não somavam forças para deter Tiamat. Então, o deus dos dragões metálicos ouviu a súplica dos primeiros guerreiros asuran e, de sua lágrima, gerou-se uma poderosa tempestade e dessa tempestade o primeiro raio, e este raio gerou o deus protetor de Asura: Rayquaza [...]

Com o fogo gerado pelo relampejar de Rayquaza, os primeiros asuran forjaram Masamune e Murasama, respectivamente, a lâmina de maior defesa e maior ataque forjada no mundo até os dias de hoje. As duas katanas foram forjadas para eliminar deuses e foram usadas para deter Tiamat. Agora serão usadas para resgatar Asura e deter nosso inimigo. Saulot ou Aensell. Seja qual deles for. Ou os dois, caso o coração o guie para esta decisão."

- Diz-me, então, como o caminho além mar compreende minha missão? - questionou Ryuujin.

- Asura está afogada e as espadas podem estar em qualquer lugar do mundo. Um dia, Ryuujin, seu destino será como o de Asura, lutar e proteger este mundo das investidas de Xea'thoul, o pântano do ébano e a prisão de Marduk, localizada em território proibido na beira dos oceanos. A profecia nos conta que a era passada pertencia aos reis, mas esta era pertence aos heróis. Que o futuro do reinado se encontra entre os desbravadores dos continentes desconhecidos, continentes que estão além da fissura no mundo, bem além da divisa com Xeathoul. 

"Sua jornada o levará para mais distante que qualquer herói já foi."

 [...]

 D'Angelo precisava de silêncio e a caravela amaldiçoada podia lhe dar. Espalhou seus braseiros em cantos estratégicos, desenhou os círculos no convés inferior da embarcação, preparou o lugar para atiçar seus sentidos. Pôs-se em posição de meditação e iniciou seus mantras. O clérigo de Selloth já havia feito aquilo: se comunicar com o outro lado.

Em algumas horas de concentração, o silêncio se tornou um murmúrio infernal. D'Angelo pôde ouvir os gritos de desordem do além mundo, dentro da Sussurro maldito. Em um minuto, ele percebeu o quanto havia sido arriscado fazer aquilo.

"Encontre nosso capitão, capeta!", resmungou uma das vozes, "Procure nosso capitão afogado no mar, pois, você é um de nós agora!".

D'Angelo sentiu o toque frio de uma lâmina e um sussurro maldito em seu ouvido "enquanto não o alcança, que o dia continue sendo a proteção de seu deus, mas que a noite de Zykhait comece dolorosa e sangrenta. Iremos te visitar em todas elas, até que nosso desejo se concretize". 

Então, um corte profundo se forma rasgando o rosto do lado direito de D'Angelo, sangue brota aos borbotões e a dor lancinante dissipa seu contato com os espíritos malditos. 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

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