Cena 2 - Negócios

 

Os canais da primeira ala da Torre

                Os heróis enfrentavam uma enchente de fugitivos na longa escadaria que levava à uma das três orlas de entrada para a primeira ala da majestosa Torre de Draganathor. Haviam três grandes orlas que levavam ao piso superior, mas aquela era o caminho mais direto entre a ala exterior da torre e adentro. Estátuas imensas de dragões de bronze acercavam a orla de forma protetora e os habitantes da primeira ala, em sua maioria indivíduos com algum poder aquisitivo, abandonavam seus lares.

Muitos não sabiam o que estava acontecendo, apenas foram alertados para que se retirassem de suas casas imediatamente, outros sabiam apenas que algo desastroso havia se originado na Universidade Barrymore, enquanto que alguns poucos, especialmente moradores da parte mais profunda da cidade, falavam sobre um vendaval poderoso e espectral que havia se originado na construção.

Quem se responsabilizará por nossas riquezas? – indagou um dos nobres à um dos guardiões cinzentos responsáveis pela tentativa de ordenar o exílio em massa.

− Senhor, os dracul foram invocados à primeira ala, tenho certeza que eles resolverão o caso – o guardião cinzento falava dos vassalos draculean, a poderosa guarda das alas superiores da torre.

Conde Terranova era quem mais lucrava naquela situação, pois era o dono de toda a frota de navios dos canais da primeira ala e esta havia sido construída inteira ao redor dos aquedutos espirais que cuidavam de todo saneamento não só da primeira, mas de todas as alas superiores da Torre. O conde é um anão com cara de charlatão e com maneirismos nobres, não possui uma barba vasta como seus distantes primos anões do reino vulcânico, mas a mantém bem penteada, seu bigode, longo e modelado com óleos especiais, lhe dava um brilho especial e excêntrico. Costuma usar uma cartola e suas roupas finas, de seda, são um contraste entre nobre e corsário. Ao seu lado sempre estava um meio-orc desajeitado, manco e débil que diziam ter navegado para todas as partes do mundo e que seguia as ordens de Terranova como um cão guia. Seu nome era Polka.

− Todas as embarcações estão retornando, nenhuma vai nos deixar na primeira ala – argumentou Arya, a felina de pelagem albina, pouco paciente com o desespero generalizado daquela gente que fugia da luta – vamos ter que chegar lá nadando – estalou os dedos num único movimento e agradeceu a pouca sorte de estar usando uma armadura de couro apertada que pertencia a um amigo faltoso.

                Chantrieri não achou que seria problema nadar, mas o pequeno tarou, Dente de Leão, e seu companheiro de batalha leonino, Mufasa, talvez não tivessem o mesmo vigor.

− Só precisamos saber com quem falar, senhorita Arya – respondeu Harman, o halfling, com seus pequenos olhos azulados analisando tudo. Ele se escondia na barra da saia de Arya se protegendo da provável morte num pisoteio – aquela viela é um atalho para o Comércio Náutico do Conde Terranova, só preciso de algumas palavrinhas com ele.

                E o grupo escoltou o pequeno até um patamar livre da multidão, entraram no mercado de embarcações e se depararam com o constante barulho de moedas tilintando em pilhas de ouro. O conde tinha um sorriso insistente desenhado no rosto e estava sem cartola, seus olhos eram um profundo poço de prata de um capitalista.

− Senhor Conde Terranova, é um prazer revê-lo! – iniciou Harman e recebeu apenas uma olhadela curiosa do anão.

− Eu não posso me responsabilizar pelo congestionamento de minhas embarcações, senhor... – o conde tentou mesmo se lembrar do nome do pequeno, mas apenas deixou sua dúvida no ar.

− Harman Vistani, senhor. Eu não esperava que alguém de sua autoridade lembrasse de um mero visitante esporádico da Torre. Eu e meus amigos desejamos comprar uma embarcação larga o suficiente para que nos caiba.

                Terranova cofiou a barba banhada em óleo e disfarçou um sorriso manipulador. Ali estava mais uma chance de arrancar as peças de ouro de um desesperado.

− Claro, senhor Vistani, mas você, como um experiente negociador deve entender que, em situações caóticas, o preço de certos itens podem variar.

                Harman nunca foi de guardar muito dinheiro e confiou totalmente na quantidade considerável de peças de ouro que tinha em seus pertences.

− Ora, mas é claro, sir. Diga-me sua primeira proposta – o grupo que acompanhava Harman não pôde deixar de reparar que o halfling estava exageradamente caricato.

− Trezentas peças de ouro por uma carruagem náutica de carga. É o que vocês precisam se pretendem levar visitantes exóticos lá para cima – apontou para Mufasa, que, apesar de não ter desenvolvido completamente sua juba, já impunha um respeito feral.

                Harman disfarçou o fato de sua garganta ficar repentinamente muito seca. Ele possuía duzentas e noventa e nove peças de ouro, quase se arrependera de gastar a última peça de ouro que restava nos seus docinhos prediletos. Andar com um número quebrado de peças de ouro nunca era motivo de sorte, especialmente se você é de origem cigana. O halfling, entretanto, sabia claramente que uma carruagem náutica não poderia custar mais de duzentas peças de ouro e que o conde estava querendo lucrar bastante em cima da urgência. Harman não se importava, a pressa parecia mais importante.

− E aqui vai a minha proposta e dela não aceito me ausentar. Pretendo lhe pagar duzentas e noventa e nove peças de ouro – estendeu o saco com todas as suas peças de ouro e o tilintar preencheu a sala. Harman disfarçou um sorriso bobo e ingênuo, queria se mostrar vítima de seu vendedor.

− Pois, muito bem. Parece justo! – adiantou-se Terranova afanando o ouro como uma serpente faz bote em sua presa – Polka! Leve-os à uma das carruagem náuticas de carga! – derramou as peças de ouro de Harman na sua própria pilha de moedas – um prazer fazer negócio com vossa senhoria.

                Harman viu debilmente e girou os calcanhares para a saída:

− Vamos embora gente, consegui uma ótima oportunidade de dobrar o meu dinheiro – falou o halfling confiante, mas estava com os bolsos vazios.

Conde Terranova e Polka

[...]

Não mais que alguns minutos de caminhada até uma sarjeta próxima e os heróis se depararam com uma única embarcação. Polka, o meio-orc, durante esse pouco tempo reclamou de dor nas costas e de um vindouro resfriado que lhe aguardava no final do dia:

− Sempre tem cheiro de morte lá em cima, mas hoje tá demais! – ele informou com sua voz de débil.

                Os heróis não podiam sentir o que Polka dizia, nem mesmo Mufasa ou Arya, que possuíam faro aguçado. Logo eles descobriram que o sentido de olfato de Polka era quase sobrenatural.

− Conte-me mais, amigo verde – adiantou-se Harman, pois toda história é uma boa história para um bardo.

− Lá em cima, todo dia tem um motim. Pessoas de sombras matam as pessoas do ouro. Sempre tem sangue e morte, mas hoje é diferente. As covas se abriram.

                Polka girou a engrenagem que prendia a corda da embarcação e a trouxe para próximo de todos.

− A caravana vem com uma jaula pra colocar o seu bicho – ele informou à Dente de leão e o tarou disfarçou a raiva em sua voz.

− Não será preciso, obrigado – respondeu recostando-se num dos lados da carruagem náutica, Mufasa veio logo em seguida.

[...]

Ao chegar nos patamares de boas-vindas da primeira ala, os heróis se depararam com uma multidão de pessoas tentando garantir suas vagas nas embarcações que iam e vinham dos canais levando aqueles que podiam pagar.

− Eu sou um nobre! Tenho dinheiro o suficiente para comprar dezenas dessas embarcações, só não tenho agora! – argumentava um nobre para um guardião cinzento – saí às pressas com minha mulher e meus filhos. Nós vimos a coisa que foi despertada na universidade, saímos com urgência!

− Senhor, todos serão levados pelas embarcações do conde, mas aqueles que pagam adiantado serão encaminhados primeiro. Paciência, espere no fim da fila – respondeu o guardião cinzento apático. Guardiões cinzentos eram soldados particulares e as ordens ali eram aquelas.

                A embarcação dos heróis era a única que ao invés de abandonar a primeira ala, chegava para ficar. Chantrieri e Arya se revezavam em remar e empurrar outras pessoas e veículos para abrir passagem. Harman subiu na fronte da carruagem náutica, pigarreou e em voz altiva falou:

− Esta carruagem náutica está à venda!

Os heróis desembarcaram ali e o halfling encheu seus bolsos com trezentas e quatorze peças de ouro, um par de brincos, duas alianças, três pulseiras de prata e uma de ouro, um anel sinete de família nobre, a miniatura de um cavalo esculpida em bronze, duas entradas para o teatro da primeira ala e a coleirinha incrustada de rubis de um pinscher que pertencia à família que lhe comprou a embarcação.

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