Últimos momentos antes do fim




Anos atrás, Thallion se surpreendia com Hoaqin por este ter aceitado tão deliberadamente que o elfo habitasse o Templo dos Quatro, “Não sou de negar um teto para ninguém, principalmente agora que enfrentaremos uma época tão chuvosa. Entre e fique.”, foram as mais singelas palavras de confiança que Thallion havia ouvido na vida. Elfos como ele agora eram raros, era o que havia sobrado do grupo de elfos rebeldes que abandonara Ellidoränne, o berço de sua raça, a muito tempo. Thallion havia participado da última guerra da era, mas sobre isso ele nunca falava. Já vivendo no moinho que lhe servia de lar, o elfo um dia pegou-se olhando fixamente para a imensa árvore plantada no centro de Cadic, “É grande demais para ser uma árvore natural, nem os pinheiros de Nevaska chegam a tamanha altura”, “Você está certo, amigo”, intrometeu-se Hoaqin, aparecendo repentinamente, como era costume acontecer, “Esta é uma árvore semeada pelas fadas para defender os bosques, seu nome é Iansã”, “Ouvi dizer que ela veio caminhando dos Bosques Rubros para cá”, “Aconteceu isso, mas Iansã sempre pertenceu a esta terra”, “Porque ela é tão grande?”, “Bênção das fadas. Há um ninho delas no topo da copa, nos galhos mais altos. São fadas semeadoras, assim as chamamos”. Voltando ao presente, Thallion tinha uma dezena dessas brilhando ao seu redor, pousando em seu ombro e na ponta de sua flecha, elas observavam o horizonte preenchido pela figura colossal inimiga. O que elas estão pretendendo, o elfo rebelde pensou. Confiava na natureza delas.

Enquanto isso, Ivelka, Wolfgang e Atticus viam-se numa posição lastimável. Wolfgang acabara de ceifar a vida de uma das criaturas aladas regurgitadas pelo colosso, “Não são dragões, mas meu machado funciona do mesmo jeito”, resmungava enquanto tirava a lâmina da arma do cadáver de uma delas, “Irmãos, não podemos ficar aqui por muito tempo… vejam, a criatura caminha em nossa direção, vamos ser pisoteados”, informou Atticus que, uma vez a cada minuto, conjurava uma magia de artífice sobre a arma de Wolfgang, isso fazia o machado brilhar mais intensamente, Ivelka tinha suas próprias qualidades como combatente, empalando as feras aladas com a ponta de sua picareta incrustada de runas anãs, “Eu preciso de sua ajuda, irmão”, se referia à Atticus, “De minha ajuda?”, repetia Atticus admirado pois Ivelka não era uma anã que pedia auxílio com facilidade (na verdade, nunca tinha pedido ajuda a nenhum dos irmãos), sempre gostara de fazer suas coisas sozinha, “Sua magia funcionará em minha picareta?”, “É magia da forja anânica. Ela vai funcionar nas mãos de qualquer anão”, “Quero que potencialize a runa de minha arma”, Atticus analisou a picareta de Ivelka, “Você não acha que os terremotos causados pela criatura já são o suficiente?”, a anã tinha toda confiança em sua estratégia e o irmão reconheceu isso, “Dê-me ela aqui”, iniciou os encantos rúnicos.

“Rápido com isso!”, comandou o general Samuel Ascallon, cedendo ao nervosismo, o colosso andava depressa e ainda havia muito o que fazer. A extremidade da cabeça da estátua era vestida de uma coroa de pedra com seis extremidades pontiagudas feito lanças. Neste momento, metade dos soldados e paladinos já conheciam a intenção do general e trabalhavam com velocidade, “Não cedam ao cansaço agora, ergam a estátua!”, os milicianos a amarraram com cordas de cânhamo e apoiaram a estrutura em seus ombros, duas dezenas de homens fortes se auxiliando na árdua tarefa, “Mais um pouco! Mais um pouco!”, repetia um deles arfejando e com muito esforço a estátua começava a ser erguida.

Em cima dos montes que circundam as docas de Cadic, escondidos por uma densa névoa, os médicos da praga continuavam seus cânticos entre sussurros, mas nem todo silêncio impediu que a primeira fera alada reconhecesse suas posições. Adaptadas para enxergar em plena escuridão, os olhos de demônio viam através da névoa e seus ouvidos sensíveis como os de um morcego, captaram a presença dos clérigos de Velaska, “Os alados estão vindo contra nós, preparem!”, e assim um círculo de cinco fantasiados clérigos com máscaras de corvo defenderam o sexto integrante no centro do ritual. Eles puderam ouvir o pesado barulho das asas das criaturas e aguçaram seus sentidos para enxergarem além da névoa. Para a sorte deles mesmos, os médicos da praga eram tão adaptados a ver além da escuridão e da névoa quanto as gárgulas demoníacas que infestavam o céu. Uma esfera de energia púrpura foi invocada ao redor do círculo e as garras e lanças das feras aladas não puderam transpô-la, foram então recebidas pelos raios necróticos arroxeados conjurados pelos bruxos. As peles escamosas queimaram, borbulhando a magia da morte, criando feridas nauseantes, rasgando o tecido que lhes vestia as asas, fazendo-as desabar tempestade abaixo, “Continuem!”, exigiu o sexto clérigo e seu cântico tornou-se mais alto, desafiando o volume dos trovões.

Médicos da praga e a névoa fantasmagórica

Adam cobria o rosto com o braço, os pesados pingos de chuva começavam a arder em sua pele, mas ficaria ao relento enquanto sentisse que deveria proteger a dança xamânica dos gnolls. Estes se revezavam, um deles sempre de cócoras tocando um par de pequenos tambores e os outros dois pinotando em círculos, ululando para as nuvens e estas, nervosas, faziam o céu desabar. O arqueiro, filho de Castelo Cinzento, sentiu o chão tremer, percebeu isso observando as pequenas poças de lama sulcadas em todos os lugares. Virou-se e da escuridão uma figura gigantesca se movia lenta, armou-se com o arco e logo disparou a primeira flecha que voou enfrentando a forte ventania e soou um barulho metálico quando encontrou o inimigo, “Não dispare, menino! Não somos inimigos!”, gritava um dos gnomos gêmeos agarrados aos ombros do gigante de ferro, “Viemos para ajudar!”, o segundo acompanhou. Ithias, Orchestra e Runo também se aproximaram, encharcados. “O que as hienas estão fazendo?”, perguntou Runo, “A dança da chuva”, Adam respondeu enquanto guardava seu arco, “Boa ideia”, Ithias percebera a intenção, “Talvez eu possa ajudá-los”, aproximou-se Orchestra, tirando das costas outro par de pequenos tambores e juntando-se aos homens-hiena. “O colosso fica maior a cada passo que damos adiante!”, resmungou Runo, “Você viu Adhraim, moleque?”, “Ele saiu junto ao meu pai em direção ao Templo de Valerie”, Adam apontou a direção, “Merda! Tão longe!?”, deu de ombros, “Ele vai perder toda a festa, então…”

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