Naquela noite, o próprio céu
trazia augúrios quanto ao destino dos povos. A luz da lua de sangue brilhava
sobre um conjunto de ilhas, ilhas isoladas dos continentes vivos, envolta
apenas por uma aura de maldição rogada por seres talvez tão antigos quanto a
própria lua que iluminava aquela noite. Ali era Maldûn, uma temida região onde
apenas heróis e pessoas completamente insanas testam sua sorte tentando desbravar
o arquipélago amaldiçoado.
Ao sul encontra-se a Ilha do Drow,
lugar que possui inúmeras lendas sobre sacrifícios élficos em adoração à Seymor,
a Deusa Aranha. Porém, como a lua previu, esta não seria uma noite comum.
Gritos de desespero pairavam sobre aquela ilha. Tluth Gelroz era o líder dos
drows ali, o sumo-sacerdote era um drider com longas patas de aranha, três
pares de olhos amarelos serrilhados e longos cabelos brancos que não se
confundiam mais com sua aparência de paladino da Mãe dos Elfos de outrora.
Tluth sacrificava seus antigos irmãos em oferendas à Seymor.
O
cheiro de sangue élfico se misturava aos gritos dos elfos capturados, criando
uma atmosfera extremamente aterrorizante. O terror tomou vida naquela noite, as
vítimas, todos elfos, viam a morte eminente diante deles, e por ser um lugar
tão isolado, a esperança de intervenção da Deusa Mãe era nula. Elfo após elfo,
irmão adiante irmão, a ilha não era mais vermelha apenas por causa da luz da lua,
o sangue do sacrifício a tornou tão vermelha quanto a lua que a iluminava. A
energia da morte vivia naquela ilha.
A
poucos quilômetros desta matança em massa, havia um pequeno vilarejo, com casas
de madeiras quase em ruínas, tochas de labaredas fracas auxiliavam a grande lua
sanguenta a iluminar a noite. Apenas uma pessoa estava do lado de fora, uma anciã
do vilarejo, Constance, permanecia sentada em sua cadeira de balanço fitando a
lua, com seus olhos completamente brancos. Ela profetizava: “hoje a morte trará a vida”.
Olhando sem muito esforço para o centro do
vilarejo, é possível observar uma construção gótica colossal, construída com
enormes blocos de pedra escurecida e seus enormes vitrais que trazem as imagens
da doutrina de uma religião. Essa construção grandiosa é um contraposto à arruína
arquitetura do restante do vilarejo. Este é o hospitalário. Em seu interior, o
piso polido mostrava o quão bem cuidado ele era. Iluminado apenas por tochas
fantasmagóricas azuladas, dando uma atmosfera inquietantemente macabra devido
ao silêncio que para muitos é perturbador. Adentrando por um discreto alçapão,
um corredor escuro leva-nos a uma sala grande com uma espécie de altar no
centro dela.
Essa
sala não está nada vazia, há um círculo de pessoas encapuzadas de mãos
erguidas, cada uma com uma característica máscara de corvo, revelando-nos que
ali acontece um importante ritual. No centro, deitados sobre esse altar um
homem e uma mulher praticavam uma provocante orgia ritualística acompanhando os
cânticos entoados por todos em volta.
Os líricos intérpretes elevavam suas vozes de
maneira completamente sincronizada, lembrando um grande coral fantasmagórico.
Mariposas, símbolos da divindade cultuada, voavam sobre o lugar deixando cair o
iridescente pólen que mantinha um brilho macabro para aquela ocasião. Incensos
de ervas da região eram queimados para garantir a máxima concentração dos
membros daquele ritual.
Ali
estavam os médicos da praga, seguidores de Velaska, a deusa que carrega a indesejável
alcunha de filha de Saulot. Eles praticavam o ritual naquele momento utilizando
a potencial energia de morte que emanava da hecatombe dos elfos a quilômetros
dali. Em sincronia ao último grito de terror e dor dos elfos, a mulher encerra
o coral com o brado de um milagroso orgasmo alcançado. Um dos médicos, o líder
destes, toma a frente e fala: “Está feito. Velaska nos abençoou”.
Na
Ilha do Drow, o último elfo cai no chão entre as poças de sangue e os corpos de
seus irmãos.
[...]
Meses
depois, novamente sob uma lua de sangue, tão vermelha quanto a última, um grupo
de médicos da praga entoam seus cânticos mais uma vez. No centro deles uma
mulher grávida coberta por um pano completamente preto grita de dor. A
lancinante dor do parto. Próximo de seu ventre, um homem encapuzado a auxilia
no nascimento. A cada contração um grito, a cada contração uma elevação na voz
do coral de médicos.
Num
último momento, três sons se misturaram, o grito de um esforço materno para
parir, o alto cântico necromântico dos médicos da praga e finalmente o choro de
uma criança acolhida e aninhada pelo líder da cerimônia.
“É está senhor Atlonius, a
maior benção de nossa Deusa? ”, diz um dos médicos, “Sim Maelstrom. Está
será Lilith Vanhouse, a benção de Velaska para o mundo”.
O que pode ser intrigante para
muitos é: “seria um bebê nascido em tais condições uma benção, ou uma maldição?
”.
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