Lamentações e Lembranças

[Este conto é a continuação de "Tenha lindos sonhos" 📖]

- Seu monte de merda ambulante! Você vai morrer agora! - a espada afiada da elfa era removida. Assim que a lâmina mostrava-se, os pais dela começavam a sangrar de forma violenta. A mulher que seria mãe de Sapphire se encolhia como podia por conta da dor excruciante, chegando a distender os braços para isso. - Solte-a, sua imunda! Apareça por completo maldita! COVARDE! - a ira da elfa misturava-se a dor.

- Pensa em me ameaçar, pequenina? Literalmente estou com a vida de seus pais a disposição do meu bel prazer. Minhas teias se alimentam do sangue e sofrimento deles e de outros. O de sua mãe é particularmente delicioso. Delicioso! E logo, logo vou provar do SEU! - a teia era tecida. Brilhava em escarlate. - Se você aceitar, o sofrimento deles vai ser amenizado. - a azulada começava a sentir a teia cair novamente sobre si.

A armadilha tinha sido efetiva para ao que aos olhos do grande monstro seria uma Sapphire pequena. Para qualquer atitude que tomasse, os gritos de horror, sofrimento e aflição dos pais ecoavam pela gruta. Parecia ter se passado um longo período de tempo naquela tortura. Havia tentado soltar os pais, mas o que conseguia era fazê-los berrar mais em agonia. Numa das tentativas o sofrimento era tamanho que o pai se prostra de joelhos, babando e regurgitando sangue. A mãe chorava e soluçava. O rosto completamente tomado de rubro líquido e pavor. Sapphire estava encurralada e sentia sua cicatriz queimando como se fosse derreter seu rosto. A dor lhe minava as forças e a ideia de ter falhado com seus pais lhe corroía por dentro.

Casulo de teias

- Parece que no fim você é realmente incapaz, incompetente e inútil. Sua fraqueza deixa minha penugem em furor, vermezinho desprezível!- debochando da elfa, a criatura horrenda mostrava-se. Uma aranha enorme e peluda, negra e com as pontas afiadas das patas vermelhas. Ela trabalhava rápido, tecendo uma teia sobre a presa, enquanto esta já sucumbia.

O olhar dela era indiferente e frio, enquanto sentia o corpo sendo envolto pelas teias. Parecia um pequeno inseto que estava para ser devorado, mas sua expressão era do mais profundo pesar. Enquanto um olho estava quase acabado pelo ferimento aberto, o outro perdia o brilho. Finalmente a alma dela havia se quebrado. Seu pior pesadelo estava voltando a ser real diante dela e sequer tinha como fazer algo.

Teria o mundo virado às costas para ela de vez? Sequer forças para clamar a sua deusa ela não tinham. Parecia moribunda e apenas a íris moveu-se para ver os pais uma última vez. Que visão terrível. Que patético! E pensara ela que mudaria a sua história. Apenas voltava para o mesmo poço de decepção e desgosto. O que seus companheiros teriam lhe dito se soubessem de seu fracasso? Será que Ophëllia lhe receberia com um de seus abraços inapropriados? Será que Lug lhe falaria uma de suas frases malucas e batendo em sua mão? Ithias lhe daria uma palavra de sabedoria? Cassandra lhe confiaria segredos e tramoias? Jackson poderia tocar uma canção para lhe confortar o coração?

Pensava em Shantae. Pensava em Ellidorane. Pensava em Cornalina. Pobre irmã desamparada. Outro erro cometido por ela que a fez perder mais de sua família. Quantos mais teriam de sofrer por sua falta de competência em servir a Inquisição? Pensava que se alistando poderia ajudar em algo em prol do que acreditava. Não havia lágrimas para chorar, tamanho era seu desamparo. Estava só e morreria sozinha com o vislumbre da tortura dos pais, aos quais não pode socorrer ou sequer enterrar.

[...]

- Não pode ficar na copa dessa árvore pra sempre, Cornalina! - gritava uma pequena Sapphire que a observava de longe, lá de baixo. - Desça logo, antes que nos peguem aqui! Você sabe que é proibido para nós! - a mão infantil cobria o rosto do sol. Apesar de temer pela irmã, a brincadeira era engraçada para ambas. Havia um sorriso largo e inocente nos lábios da criança élfica.

A outra balançava no galho, rindo e tentando pegar um pequeno pássaro que estava fora do seu ninho para devolvê-lo. A preocupação da outra parecia não afetá-la. Mesmo que ambas estivessem se divertindo.

- Vamos! Desce daí logo! - a pequena segurava o riso, enquanto olhava para os lados.

Como se fosse uma espécie de mau agouro, a pequena elfa de cabelos laranja sentia o galho partir e isso quase a derrubou, se não fosse por ter se segurado firme em outro galho abaixo. À medida que o susto passou, se pôs a descer da árvore com cuidado. 

Faltando apenas alguns metros do chão, seu pé direito apoiou em um lugar que estava frágil, fazendo à pequena Cornalina se desequilibrar e cair. Antes de atingir o chão, uma sombra se precipitou e a segurou. Aquela era Ametista, poucos anos mais velha, ela olhava para as duas pequenas com uma expressão séria.

- O que estava passando pela cabeça de vocês? Cornalina, você ia se machucando. Sapphire não me avisou por quê?- o semblante rígido demorou-se um pouco, enquanto as menores  lhe olhavam com uma expressão apreensiva, porém logo se tornou um sorriso imenso. - Vocês deveriam ter me chamado. - uma risadinha era dada pela elfa de cabelos roxos.  - Venha, Sapphire, vamos pra casa! - colocando a outra no chão, ambas estendiam a mão para ela. - Venha para casa. -

[...]

“Venha para casa… Casa… Venha…”.

As palavras distorcidas em sua mente aos poucos iam abrindo espaço através do atordoamento. Estava quase que completamente envolta pela teia vermelha, sequer conseguia enxergar. Porém a imagem das irmãs lhe lembrava do seu propósito. Sua vida não era insignificante. Sua missão ainda estava para ser completada e não iria desistir.


Remexeu-se dentro daquele casulo ensanguentado, removendo a lâmina aos poucos. Sua vontade de viver e revolta misturavam-se em suas entranhas. Era um sentimento primitivo e intrínseco de qualquer ser vivente. Queria sobreviver e para isso precisava destruir o que estava tentando fazer o mesmo com ela. Rasgando sem piedade aquele véu meticulosamente tecido, escutou o guinchar da criatura, como se a teia estivesse conectada a ela.

Aquilo ainda lhe exigia uma força física tremenda, mas perfurou e deslizou a lâmina ácida pela teia. Queimando sua prisão e derretendo. O guinchar da criatura era horrendo e quase ensurdecedor, enquanto o grito de liberdade da elfa mesclava-se a esse. Com um estrondo sentia seu corpo caindo ao chão.

Enquanto despencou, parecia que o mundo girava, lhe dando outras perspectivas. Fechava os olhos esperando o choque contra o chão. De repente houve um estalar, porém o que ocorria era a mudança de sua perspectiva de queda completamente. Antes o que lhe parecia o chão agora era o teto e vice-versa. Ao fim dessa mudança repentina, abria os olhos e percebia-se deitada e ensopada do próprio suor. Em meio ao ranger de dentes veio a constatação do delírio causado pelo veneno da lâmina do drow. A expressão antes de susto e desnorteamento se transfiguravam. Seu rosto era de um ódio incontrolável, o olhar determinado era cor de tempestade em alto-mar.

[...]

O nobre guerreiro passará algum tempo pensando e chegava a conclusão de que precisava de uma distração para que os malditos pudessem deixar por um momento as duas elfas. Era sua intenção salvar ambas antes de começar seu embate com Lar’kull e os outros dois. Durante o tempo que estimava ter, fez uma varredura pelo local. Parecia que a boa ventura lhe sorria aquele dia. Havia achada o seu alvo e agora uma pequena entrada diferente da que os outros tomaram. A sua única preocupação era que eles tivessem conhecimento daquela passagem, porém teria de arriscar. Sua vida era servir e tinha um código de honra rígido que não lhe permitia colocar em perigo a vida daquelas mulheres antes da sua.  E aquela situação já tinha ido além do que poderia sua moral suportar.

Após algum tempo caçando, conseguiu achar uma lebre. Tratava-a de maneira que pudesse assar o animal em um espeto. Retirava a pele, limpando com cuidado. Demorava-se pouco naquela tarefa, mostrando possuir habilidades como sobrevivente. Colocando o espeto através da carne do animal. Fazia uma fogueira e armava uma pequena estrutura para deixar a lebre assando. Aquele pequeno acampamento ficava localizado próximo a entrada principal. A ideia era criar uma distração para que pudesse tirar pelo menos dois dos elfos negros de dentro da caverna. Enquanto eles estivessem indo para o acampamento falso, ele poderia passar pela entrada secundária e duelar com o que restasse, lhe dando tempo para salvar as mulheres.

Assim o fez, deixou tudo preparado e saiu para se posicionar próximo a sua passagem. Calculou uma estimativa de tempo que levaria para que a sua armadilha chamasse a atenção dos drows e adentrou a caverna, colocando a mão no cabo trançado em couro negro da sua espada exótica. A escuridão do local não lhe favorecia, porém era sua única chance. Prosseguia cuidadosamente, mas com certa pressa pelo corredor pedregoso, até que avistava uma sombra se projetando contra a parede. Podia perceber que se tratava de um dos drows que estava vigiando uma das elfas. Ótimo! Seu plano tinha funcionado como planejava.

Quando estava se preparando para sair das sombras e rumar para seu embate, viu outra silhueta. Aproximou-se para verificar se outro drow tinha ficado ali. Os seus olhos puderam vislumbrar que na verdade se tratava da elfa que havia sido abatida por Lar’kull. Esta estava portando duas armas longas, sendo uma delas curvada e a outra uma lâmina mais curta. O que mais o surpreendeu não fora ela estar de pé, mas a expressão mortal com a qual olhava para o drow, que ele identificava como o próprio Lar’kull.

- Então, joia rara, parece que você acordou com energia renovada? Será uma honra amansar esse seu gênio. Levarei você como mascote para que minha senhora decida o que fazer. - o maldito levantava, limpando a lâmina de sangue. Enquanto podia se observar uma Aefendit com um lado da cabeça sangrando.

O silêncio de Sapphire era absoluto, mas sua aura berrava em uma ira descontrolada. Os olhos por um momento viram a situação da velha amiga. Estava aparentemente desmaiada, com marcas de cortes profundos e uma parte da orelha direita decepada para que tomasse um formato arredondado típico dos humanos. Que humilhante! Era sua responsabilidade ela estar naquela situação e iria remediar. Apertou mais forte o cabo das armas e por fim, começará uma investida em direção ao elfo negro.

[...]

Continua...

Postar um comentário

0 Comentários

Close Menu