Os atemporais - Capítulo 03 - O portão titânico

Que essa descrição fique para posteridade, pois, diante de mim havia a maior passagem escavada em pedra única que já vi em toda minha duradoura vida. Deveria haver uma montanha nessa região há muito tempo, talvez um braço da própria Espinha do Mundo que passadas tantas eras foi demolida, escavada ou sofreu da erosão ocasionada pelo conhecido Abismo da Ventania, porém, essa construção que agora consideramos ruínas, resistiu à tudo. Da altura que era essa cadeia de montanhas, os gigantes de outrora esculpiram a maior dos portões. Um exército de dragões veneráveis passaria por aquela entrada em pouco minutos. Fiquei imaginando quão extensa seria aquela masmorra, por quantos quilômetros ela se alongaria e quantos dias, talvez meses, nos aventuraríamos dentro dela. 

Sei que os anões têm uma história sobre uma masmorra que eles chamam de Inferno de Hefasto porque é tão profunda que são necessários muitos meses para atravessá-la e alcançar um ambiente devastado e muito quente - como o inferno - cujo os melhores minérios do mundo podem ser encontrados. Contam os mais velhos da raça que a passagem foi esculpida pela divindade guardiã - Hefasto, um dos deuses antigos - para servir de aquedutos para passagem da lava que mais tarde se tornaria o vulcão de Hefasto, lar dos anões. Posso estar mal comparando, mas receio que o caminho que vamos tomar para além dos portões titânicos seja ainda mais longo.

Os portões de pedra não têm fechadura, de modo que precisamos usar mecanismo gigantescos presos ao monolito de pedra por pesadas correntes que se mantiveram em bom estado durante todo esse tempo. Arafat tocou o metal frio e declarou que os elos da enorme corrente eram feitos de adamante, o mesmo material de sua armadura. Sendo assim, estávamos diante uma riqueza incalculável, capaz de comprar o maior dos exércitos e até convencer uma legião de dragões a se aliar temporariamente à nós. Adamante é um material raro e poderoso, capaz de absorver a maioria do dano projetado contra ele, de modo que não me admira ele ter resistido à tanto tempo nessa úmida masmorra. O material que compunha um elo seria capaz de se tornar matéria-prima para a forja de uma armadura de batalha tal qual Arafat usa. Essa ideia, é claro, passou rapidamente pela minha cabeça, pois eu e os demais jamais seríamos capazes de danificar qualquer mecanismo que encaminharia à desvendar o maior mistério de todos os tempos.

O portão de pedra, como disse antes, é feito de rocha montanhosa e ali existiam todos os tipos de minério, inclusive joias do tamanho de punhos brotavam cintilantes incrustadas firmemente nele. Há, no portão, um gigantesco símbolo escavado em alto relevo que me intrigou durante algum tempo, até que Ithias discursou sobre o mesmo.

O olho da serpente alada

Ele chamou o símbolo de "olho da serpente alada" e esta seria uma entidade monstruosa cultuada pelos gigantes de outrora, um tipo de rainha dos monstros que defendia a civilização titânica das criaturas monolíticas que existiam naquele passado longínquo. O olho representava sua vigilância, está mais do que claro, e o pentagrama, símbolo tão conhecido quanto antigo, representa o ocultismo, conhecimento e, provavelmente, magia.

Isto me fez lembrar o Quezacoult, a serpente alada cultuada pela tribo fantasma no Abismo da Ventania, cuja baforada dispara relâmpagos em dia de chuva. Aquela tribo indígena manteve-se oculta durante muito tempo, guardiã dos minérios de drakhain, e realizaram essa vigilância com perfeição, já que somente no final da Quarta era os minérios rubros foram encontrados. É uma história que pode nos interessar depois.

Os demais de nós, desinteressados em relação à história da serpente alada, discutiam sobre como abriríamos o portão de pedra, resposta que foi dada novamente pelo velho Ithias. Não me surpreendeu em nada, já que dentre todos que estavam lá, o observador de estrelas já havia morado ali durante bastante tempo e certamente havia reservado um período para isso. Ele chamou o último representante dos atemporais e ela apareceu austera na escuridão profunda da masmorra.

Freya, guerreira ursa

Vestida com a pele de sua falecida avó - acalme os ânimos, meu caro leitor, pois saiba que a avó de Freya foi, em vida, uma xamã animal que tomou permanentemente a forma de um urso e morreu de causas naturais - Freya apareceu diante todos nós jovial demais para a idade que eu presumi que ela possuía. Tudo foi explicado posteriormente, é claro. A bárbara da tribo do urso, experiente heroína deste mundo, havia passado por um processo xamânico e ritualístico guiado por Asafe, Kaiross e outros antigos cujos nomes não foram pronunciados. Deu-me a entender, então, que a própria havia se tornado páreo com eles e viveria ali pelo tempo que a selva de Chattur'gah permanecesse intacta, como um dos olhos de Zoe, a deusa feral.

Ithias contou-nos que havia essência de deus em Freya e que, certa vez, ela se dispusera a colocar uma montanha abaixo apenas com a força de seus braços. Verdade ou não, o velho mago estava certo que Freya seria capaz de abrir os portões. A face rústica da bárbara parecia convencer, não só à mim, mas a todos ali presentes de que ela faria isso de alguma forma.

Estávamos prontos, mas antes que as correntes de adamante fossem puxadas, Ian e Emerald pediram algum tempo. Ambos tornaram-se disformes, transformaram-se em sombras e se enfiaram na mais fina brecha entre os portões de pedra. Fiquei triste por não ter sido um dos primeiros do grupo a pôr os pés no terreno inóspito que nos aguardava, como contador de histórias, a primeira sensação de um acontecimento é o mesmo que um banquete oferecido à um animal faminto. Os Salvatore demoraram algum tempo lá e quando retornaram descreveram o visto.

Disseram eles tratar-se de um amplo salão de invocação cujas paredes estavam impregnadas de olhos rochosos e estalagmites protuberantes. Ian ressaltou que uma magia poderosa iria despertar assim que os portões de pedra se abrissem e nos contou, numa língua antiga, o que a siglística incrustada no chão traria como desafio para nós. O restante do grupo não entendeu imediatamente, mas eu pude, pois um dos dons que Endimion me deu foi a capacidade de entender todas as línguas: iríamos enfrentar uma horda de beholders, duas dezenas, pelo menos, vassalos de grandes feiticeiros do passado e isso não era nada bom para a maioria de nós, se o senhor caro leitor, sabe o quê um beholder dos comuns é capaz de fazer.

Nos reunimos e decidimos que apenas parte de nós deveria se embrenhar na próxima câmara. Ficou decidido os seguintes: Sethos, pois parte de suas capacidades são habilidades sobrenaturais, Arafat, Cebolas e Freya por seus desempenhos físicos, o casal Salvatore, pois entoavam canções inspiradoras de matança e estas não podiam ser dissipadas de mera forma e eu, é claro, pois, apesar de minhas magias não serem efetivas contra esses monstros, ainda assim morreria se não fosse capaz de contar à você, meu caro leitor, o acontecido dessa próxima luta.

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