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Derek |
− Estou
dizendo que não foi grande coisa? Não. Apenas estou explicando que um feito deixa
de ser um verdadeiro grande feito quando alguém já fez o mesmo feito antes –
explicou Derek.
− Derek,
ela partiu uma enseada inteira com um soco e você quer diminuir o feito dela só
porque alguém fez antes? – Halig defendia sua heroína com unhas, dentes e ódio
contra o adversário – Ela literalmente cortou a cauda do oceano! – explicou dando
ênfase.
− É
exatamente onde quero chegar e ainda levanto outra questão: a cauda do oceano,
não é o oceano todo, afinal...
Halig esbravejou. Isso acontecia
sempre, já que Derek adorava chatear o garoto aspirante à paladino. A bondade
de Halig se comparava à sua ingenuidade. Ainda muito pequeno, a mente de Halig foi
enraizada com o conceito exacerbado de fé, do que é certo ou errado, conceito
este forjado pela temperança desmedida de um par de padrinhos que sempre
possuíram pontos de vista bastante diferentes, mas que ainda tentam passar suas
ideologias de forma equilibrada afim de não ovacionar suas próprias opiniões.
Resultado disso: uma mente simples e direta, porém, perseverante.
−
Melhor todos nós fazermos silêncio agora. Houveram muitas mortes aqui e é
preciso respeitar o descanso dos eternos – explicou Lael cochichando, como se pudesse
notar que as almas realmente se incomodavam com o assunto dos dois ali.
O
silêncio veio junto da decepção que os quatro confrontaram nos segundos
posteriores: um paredão de rochas demolidas tornava impossível a passagem.
−
Agora essa! – reclamou Halig.
−
Derek, você pode fazer alguma coisa? – Lael encarou o amigo mais velho que
estampava um sorriso prepotente no rosto.
−
Deixa comigo! Só toma cuidado pra que o menininho das tortas não saia machucado
dessa vez.
Halig zangou-se, mas se afastou das
rochas esperando o inacreditável que aconteceria logo mais. Derek puxou seu
punhado de pedras colecionáveis e passou a analisar cada uma, como se
procurasse por uma em especial. Lael aproximou-se de Violet e a pôs nas pernas –
ela é muito pequena, até mesmo para alguém da idade dela, Derek costuma brincar
dizendo que metade de Violet é cabelo.
−
Certa vez, Violet – contou Laelsen − Lady Sapphire subiu até o topo de uma
cadeia de montanhas muito maior do que essas. A princesa Ofélia e o Lorde Adhraim
estavam com ela. Eles queriam alcançar um templo muito antigo, vigiado por um
dragão do bem que tinha poderes incríveis! Dentre estes a capacidade de canalizar
a alma de um falecido de volta ao corpo. Na verdade, esta era a missão da
távola de Cadic naquela época: levar o corpo do príncipe Alberich até o templo
no alto da montanha. Os bardos contam muitas histórias sobre essa jornada, mas
a que gosto mais é a que o meu tio Elessar conta...
Derek finalmente escolhera a pedra
correta, agora procurava a melhor posição, um tipo de método que o magricela
sempre insistia em fazer e que deixava Halig atônito.
−
... durante o caminho, pedras muito grandes, muito maiores do que estas que
estamos vendo, caíram do céu faiscando, cravaram no pico da montanha e
mergulharam muito, muito fundo! Elas acordaram um povo muito antigo, um povo
esquecido o qual nem mesmo os mais secretos livros da biblioteca élfica têm
descrito o conhecimento. Todos que vieram de debaixo da montanha eram loucos,
mas loucos mesmo! Não do tipo do Derek. A távola teve de enfrentar uma
repentina chuva de malucos, do nada. Não tem como entender inteiramente pessoas
insanas, sabe, pequena Violet? Eles são o ápice que o caos conseguiu plantar
nas mentes mais difusas. Essa civilização inteira, porém, não foi capaz de
impedir o avanço da távola...
Então Derek se posicionou, girou
o braço três vezes e jogou uma pequeniníssima pedra. Ela atingiu um ponto
específico da estrutura e o silêncio tomou conta do lugar segundos depois que o
eco do choque se dispersou. Para a surpresa de qualquer um que não fosse aqueles
quatro, a pilha de rochas desabou ordenada, longe da possibilidade de ferir
qualquer uma das quatro crianças.
O passado de Derek sempre foi um
mistério, embora ele goste muito de se gabar dos seus supostos feitos, alguns
são verdadeiramente coisa grande demais para alguém tão jovem ter vivido, por
isso, quando o magricela de cabelos revoltosos conta que viajou junto com o
exército da Fênix Branca, poucos realmente levam a sério.
−
A passagem está aberta, Lael, você está poucos passos de matar sua
curiosidade... e de matar todos nós também – brincou Derek.
Violet,
não tão estranhamente, riu. Ela gosta do humor negro, na verdade, é uma das
poucas coisas que a faz rir: falar da morte, e isso nem é tão extravagante,
quando sabemos que ela nasceu no Hospitalário, o templo da deusa Velaska,
senhora que governa um dos aspectos da morte. Halig repreendia Derek quando ele
reforçava o macabré de Violet – “Quantas piadas de morte ainda podem existir?”,
ele pensava, “Se é que isto pode ser considerado piada...”
Para
a lista de coisas que Halig desgostava metia-se também as aventuras além dos
limites de Cadic, afundo no bosque que ele era proibido de ir, mas que ia por
mera sensação de que deveria estar com Lael. Certa vez, numa dessas aventuras, numa
época em que a única companhia de Laelsen para isto era o próprio Halig, o aspirante
à paladino questionou a vontade de seu líder, dizendo que não era certo
prosseguir por um caminho proibido no qual apenas o povo hiena deveria
transitar, como resposta escutou o discurso mais rígido e cortante de sua vida:
“Você
não deveria achar que está errado o tempo todo, meu amigo Halig. Você está
exatamente no lugar certa, no momento certo, como deve ser. Rompa com isto e
romperá seu destino. Digo-lhe, afaste-se e nunca mais o destino nos fará
próximos novamente. A decisão é inteiramente sua.”
Halig
resolveu ficar, assim como resolvera, sem questionar, seguir Lael até o
interior daquele anel de rochas gigantes. Seguir não somente o próprio amigo,
mas a voz que passara a importunar este nos últimos meses. “Nada pode mudar a
teimosia de um curioso. Nada pode parar a convicção de Laelsen”, ele pensou e,
talvez por isso, passou a respeitá-lo mais.
Lá
dentro eles notaram a selva. Uma selva obstruída e ocultada por muito tempo. Violet puxou pela mão de Lael e perguntou baixinho:
− Lael, o que eram essas pedras que caíram do céu?
− Não sei, pequena Violet. Mas elas ainda estão lá.
[...]
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