Os
pés dos quatro tocavam em terra verdejante novamente. A vegetação do Túmulo de
Thalladoran era coroada por um verde mais intenso e um tapete de musgos e
cogumelos vermelhos que aspergiam esporos visíveis somente quando refletindo a
luz das não raras lascas de luz que perfuravam a copa das árvores e iluminavam
o local com um aspecto não-amaldiçoado.
─ Não parece um lugar ruim – comentou Halig.
─ E não é, Hal. É
um lugar sagrado e cheio de proteção. É, de fato, o túmulo de um dragão, mas de
um dos dragões do bem – explicou Lael.
─ As vozes te guiam para onde,
agora?
─ Elas não me
revelam nada, nesse instante– respondeu o líder após pensar um minuto – isso significa
que teremos que andar à esmo.
─ Gostei disso – intrometeu-se
Derek – quer dizer que competiremos com a sorte.
─ Isso está muito além da sorte,
Derek. Fui encaminhado para cá.
─ Porque Lathandril te mandaria até
aqui sob a nossa desconfiável proteção? – raciocinou Halig.
─ Não foi Lathandril quem me mandou
aqui, Hal, pensei que você já tivesse deduzido.
─ Ma-mas, como assim?
Laelsen fala com sombras. Um
aspecto sobrenatural que sempre assustara os desavisados, mas que acabou se
tornando algo comum para aqueles que convivem diariamente com ele. Lathandril,
agora, parece somente o nome de mais uma sombra que Lael é capaz de se
comunicar.
─ Lathandril não
sabe que estou aqui e acredito que deva continuar assim.
─ Você confia em qualquer voz que ouve
agora?
─ Para o bem ou para o mal, esta
voz existe e não sou eu quem a impedirá de alcançar o que quer. Se sou feito
para isso e sobrevivi por isso, não tenho porque temer qualquer destino. Este
lugar já foi encharcado por muito sangue, tudo que ele deseja é manter-se limpo
por mais tempo. Estaremos bem, desde que nossos dedos não belisquem a coisa
errada.
Halig costuma ficar confuso na
maioria dos discursos de Laelsen, mas aprendeu a não mais questionar o que era
dito, pois sempre recebera a mesma resposta: “Não me lembro de uma só palavra
que proferi a um minuto atrás”. Desejou não mais pensar nisso e concentrou-se na
assustada Violet observando as sombras tortuosas que os galhos e cipós faziam
com a ajuda da iluminação bem posicionada do lugar. Apesar de questionar a
permanência desta no grupo, Halig, de bom coração, não conseguia vê-la
transtornada por um sentimento que ela era incapaz de controlar.
─ Você está com medo, Violet? –
aproximou-se dela ─ sei o que está sentindo, essa
sensação de quem está preso no corpo enquanto o peito trêmulo deseja saltar
pela garganta e o barulho dele é mais alto do que o do vento nas folhas e o
cantar dos pássaros. Tia Diana está me ensinando a tolerar isso, ela me fala
sobre convicção, fala que o medo é inimigo da fé e sem esta o que nos sobra é a
loucura. Posso lhe contar uma história?
Violet assentiu positivamente
com a cabeça:
─ Pois bem, você conhece a história
da rainha louca?
Violet já havia ouvido falar,
mas pouco sabia sobre. Ela vivia num templo cujo conhecimento em história era
algo desperdiçável, já que todo seu futuro recorreria a uma intensa instrução
sobre religião, à esta perícia ela se limitava.
─ Azran possuiu a mais famosa das progenitoras,
a dama de nome esquecido, a rainha louca. Até três dezenas de anos atrás, acreditava-se
que a rainha-mãe de Azran havia concebido nove filhos, cada um destes fadado ao
destino cruel dos Leonheart. Um por um ascendeu ao trono e morreu em guerra e
quando o último caíra, o último lapso de sanidade da rainha foi junto e ela
decidira enterrar-se viva em um túmulo junto com seus nove filhos. Alguns
afirmam que essa atitude foi motivada pelo desgosto, outros falam que um
demônio sussurrou em seu ouvido, seja como for, ela ordenou que fossem enterrados
esquifes e lápides num lugar abandonado em cima das Montanhas de Mármore,
aquelas que abraçam a capital Brastav. Suas ordens foram explícitas e ela dedicou
seus últimos meses de vida inteiramente ao projeto de construção do Mausoléu dos
Últimos Leonheart.
─ Esse lugar realmente existe, Hal?
─ As boas e más línguas afirmam. O
lugar é assombrado por uma centena de allips e dizem que quando alguém insano
morre, sua alma é levada àquele mausoléu, pois os deuses rejeitam a mente
impura. Dizem que, um dia, haverão tantas almas dementes morando naquele lugar
que elas desejarão expandir os limites de suas terras e amaldiçoarão toda a
Espinha do Mundo para, em seguida, marcharem sobre todo reinado. É uma história
aterrorizante.
─ Foi o jeito que a rainha louca encontrou para eternizar sua
linhagem e um dia governar sobre as três famílias... – intrometeu-se Derek.
─ Você conhece essa história, Derek? – perguntou Violet.
─ Você se surpreenderia com o quanto eu sei das coisas.
─ Nem tudo que é
falado ou escrito pode ser considerado verdade, Derek – aproximou-se Laelsen.
Halig não ficou surpreendido com
o fato de Lael conhecer aquela história, na verdade, ele acredita que Lael
conhece tudo que um dia foi escrito ou narrado.
─ Havia um sábio mago chamado
Thanabulos, ele era o sênior arcano de Azran, naquela época – Halig continuou -
Ele ajudara a projetar o último mausoléu dos Leonheart com muito desgosto, pois
era um servo leal da realeza, passou meses trancafiado nas masmorras do Castelo
de Brastav desenhando esquemas do mortuário. Não foi uma tarefa simples, a
rainha louca não era fácil de ser dissuadida, os projetos de engenharia comum e
mesmo aqueles mais complicados, como o dos anões, não era suficiente. Ela
queria algo inovador, à altura de sua linhagem.
─ Thanabulos conseguiu?
─ Thanabulos não era alguém que desistia fácil. Ele conseguiu, sim.
Estudou durante muito tempo e decidiu substituir o mármore e o granito desse
tipo de construção por metal. Foi uma obra pretensiosa que custou boa parte da riqueza dos Leonheart e ainda recebeu a colaboração de quatro famílias nobres. Os alicerces do mortuário não foram erguidos com
a ajuda de vigas e colunas, mas sim com estranhos mecanismos chamados “engrenagens”.
─ Eu acho que sei o que é isso – comentou Violet.
─ Você já deve ter visto uma – aproximou-se Lael ─ Elas são comuns em Cadic por causa dos Moinhos
de Lug.
─ Houve uma atenção especial no túmulo da própria
rainha: um esquife confinado, vedado à vácuo, que preservaria o corpo da
progenitora pelo tempo da eternidade, mas, mesmo este sofreu modificações da
própria rainha. Ela queria um esquife deitado, localizado num lugar cujas projeções
do primeiro e do último raio de sol pudesse tocá-lo. Também exigiu que fossem
feitos pequenos orifícios neste...
─ Isso não faz sentido. Um corpo da
realeza precisa ser preservado, um buraco no esquife faria o corpo da rainha
apodrecer totalmente em semanas – Violet questionou, pois se há algo que ela conhece
bem é sobre cerimônias e os métodos para se enterrar um indivíduo.
─ Dizem que
Thanabulos questionou isso também, mas foi assim que a rainha quis, e assim foi
feito – explicou
Halig – depois que a construção foi concluída, Thanabulos
desapareceu para sempre.
─ Ele também
ficou maluco, saiu por aí e nunca mais voltou – concluiu Derek.
─ Enfim, isso
tudo não teria acontecido se a rainha louca tivesse se apegado à fé, entende? ─
explicou Halig.
─ A fé também é
um gatilho para loucura, Halig ─ Laelsen discordou ─ parte dessa história foi
rasgada e seus pedaços jogados ao vento. Alguém lutou incessantemente para que
fosse assim.
─ O quê? Como
assim?
─ A voz me chama
para a direção da resposta – Lael parou a caminhada e observou os arredores,
como se farejasse algo ─ é por ali.
Uma caminhada pela floresta
fechada parece algo muito perigoso. Não para quatro crianças incautas.
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