Os poucos que restarão



Da calma se fez o assustador estrondo de árvore partida. Os quatro teriam pensado ser o trovão que antecede uma forte tempestade, se a terra também não tivesse tremido segundos antes com o impacto da criatura gigantesca que repentinamente apareceu diante dos exploradores.

─ Q-q-que Splendor nos proteja! – comentou Halig, quase soletrando a breve prece e sacando sua espada de madeira. Ele se interponha entre a criatura e Laelsen.

─ Caraalho! Se escondam seus idiotas! – de um salto Derek alcançou o galho mais baixo de uma árvore e, ágil como um macaco, encolheu-se na folhagem esparsa procurando ocultamento.

                Violet, aos tropeços, aproveitou-se de seu tamanho e enfiou-se entre as raízes altas de uma árvore próxima, observando o estrago que ocorreria agarrada na radícula como um prisioneiro nas barras de sua cela.
Tremendo, Halig empunhou a espada de madeira e ameaçou ridicularmente a coisa. Era feita de pedra e musgo, movia-se como uma montanha faria se tivesse consciência, seus olhos brilhavam num tom azul-pálido e entre as fendas de seu corpo de golem, vez ou outra, as sobras de magia escapavam em brilhos ameaçadores.

─ Que merda é essa! – Derek se exasperou e fez exatamente o que sua loucura propunha: saltou da copa da árvore e cravou seus dedos magros na cabeça rochosa, muniu-se de uma pedra afiada e golpeou velozmente a nuca do golem.

                A coisa não pareceu sentir qualquer dor, mas reagiu às tentativas vãs de Derek como uma pessoa reagiria a um mosquito insistente que atrapalha seu sono. O corpo robusto girou tentando alcançar o alpinista e o amontoado de pedras socou Halig no meio do caminho jogando-o dois metros distante da passagem.

Nas costas do golem, Derek se livrava do agarrão da criatura e fazia novas tentativas de machucá-la, novamente sem efetividade. A rocha viva, então, num impulso, chocou-se contra uma das árvores e Derek achou mais seguro se afastar e esconder. A criatura girou o corpo tentando encontrá-lo e se deparou com Laelsen à sua frente.

Lael permanecia imóvel. Ele não expressava medo, ao invés disso, fitava o golem com uma austeridade desafiadora. As fugas de luz azulada se concentraram nas auréolas ao redor dos olhos do construto e brilharam intensamente analisando o oponente destemido, então, todas as rochas de seu corpo se acumularam criando uma clava pétrea esmagadora. Ergueu o braço mais alto que as árvores e o deslocamento de ar foi projetado em resposta à avalanche que golpearia Laelsen.

─ PARE! ─ uma voz soou alto em tom de ordem.

                Não era a de Lael. Era de Halig. Com o rosto inchado devido ao resvalo com o golem e o nariz derramando sangue, o garoto agora empunhava sua espada torta decidido. O braço da criatura parou três centímetros próximo a cabeça dos dois e a pressão do ar fez com que seus cabelos e roupas esvoaçassem.

─ O-o-o go-go-golem parou! – quem gaguejava agora era Derek, surpreendido.

─ NOS DEIXE EM PAZ! – gritou Halig com as lágrimas escorrendo no rosto.

As auréolas oculares da criatura voltaram a brilhar intensamente numa pausa que pareceu eterna, então, afastou-se e se perdeu na selva distante dos quatro. O susto chegou aos pés de Halig e seu corpo robusto cedeu, tombando no chão. Lael tocou-lhe o ombro num tom de agradecimento e cochichou:

─ Você sempre está no lugar certo, na hora certa.
                E continuou a caminhada. Derek e Violet saíram de seus esconderijos e foram ajudar Halig.
─ Eu não entendi foi nada ─ resmungou Derek ─ O que aconteceu aqui? Porque aquele golem parou de nos atacar?
                Lael sentiu que devia uma explicação aos amigos, pois havia agido com uma prepotência temerária ao obrigar Halig a fazer aquilo para salvá-lo.

─ Quando a távola enfrentou e aprisionou a bruxa Noroi aqui, Cadic foi avisada. Os senhores do Templo da Cruz-espada, então, tomaram suas precauções para que este lugar fosse devidamente protegido. Aquele golem é, sobretudo, um guardião do Túmulo de Thalladoran e responde aos membros do Templo de Splendor. Aos paladinos do deus do heroísmo.

               O silêncio foi a única resposta que Laelsen recebeu após o comentário ─ Devemos prosseguir. Estamos bem próximos.

─ Eu ainda não entendi, Lael – voltou a reclamar o encucado Derek ─ o que você quis insinuar com isso? Que Halig é um paladino de Splendor?

Laelsen pensou um pouco na resposta e disse:

─ Um dos melhores dos poucos que nos restarão... – falou sério.

                Halig ficou perplexo, depois esboçou um sorriso de contentamento, limpou as lágrimas e a lama dos joelhos e renovou as energias para continuar a jornada.

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