Três gnolls estavam devidamente agasalhados em mantos quentes, sentados nas cadeiras de madeira-forte dentro da Taverna das Nove Flechas, seus olhos estavam patologicamente vermelhos, os ombros caídos e havia desânimo notável de alguém que esgota todas as suas energias. Caminhava Ada, mulher de Castelo Cinzento, pela terceira vez pisando no rangido assoalho do estabelecimento, trazendo chávenas de um chá mal-cheiroso, pedido feito pelos próprios homens-hiena.
Adam, filho de Ada e Castelo Cinzento, foi o primeiro a ficar de pé, alerta, quando ouviu o barulho da chávena estilhaçar-se no chão, junto ao líquido transparente. “Mãe!”, o filho foi ao seu auxílio, acompanhado dos oito irmãos de presença quase fantasmagórica (presenças opacas devido aos seus semblantes de medo e tristeza). Ada leva a mão à cabeça, como quem sente a primeira e inesperada pontada de uma enxaqueca, “Está tudo bem?”, pergunta o filho. Ela preferiu o silêncio de um minuto e ser arrastada pelo filho mais velho e caolho até uma das cadeiras da taverna, então, respirou fundo e falou quase inaudivelmente “Só um mal estar”, “Está esperando novamente, mãe?”, perguntou Thierry, sexto filho de Castelo Cinzento, “Não é isso”, Ada respondeu, “A dor começou no peito… como se algo tivesse sido tirado de mim.”
A taverna das Nove Flechas, que antes flutuava graças à magia dos gnolls, desaba repentinamente no chão os seus dois palmos de altura. “Grasnit”, ululou a hiena, significava “Acabou”. O cacique do trio de gnolls referia-se à magia que por tanto tempo eles sustentaram, “Agranûr kiantanaz maliûgh unan”, “Estamos à mercê do mal”.
Adam segurou o arco com firmeza, único dos filhos de Castelo Cinzento que tinha treinamento avançado em usar a arma. “Venha a mim, filho”, Adam ouviu a voz de seu pai nos pensamentos, “Lembra-se da árvore que você empenhou-se em derrubar semana passada?”, era um tronco tortuoso e esquálido que Castelo Cinzento havia mandado o filho derrubar à golpes de machadadas, Adam lembrava-se muito bem, pois o trabalho foi árduo, lembrava-se também que cada machadada dada tinha a intenção de extravasar a raiva que sentia daquela ordem que seu pai havia dado, suas mãos ficaram calejadas, “Era uma árvore fadada à morte, lembra?”, à isto Adam recordava-se também, “Eu lhe disse que seu trabalho a eternizaria”, essa frase era uma das lembranças mais firmes de Adam, havia sido naquele dia que seu pai havia lhe dado seu primeiro arco, o arco que estava em suas mãos agora, “Você deu nova forma à vida daquela árvore, filho, e ela estará com você, contanto que você a respeite e trate-a como uma aliada”, Adam sentiu o fio do arco, a madeira bem polida, o trabalho de uma semana do pai e ficou satisfeito, “Eu tento seguir este dogma a muito tempo, filho, eu faço isso não só com a arma que tenho em mãos, mas com você, sua mãe e seus irmãos. Respeito. Respeito suas existências e farei tudo que puder e que esteja ao meu alcance para continuar os respeitando”, as palavras do pai nunca haviam atingido Adam tão profundamente quanto naquele momento dentro da Taverna dos Nove Flechas, cercado pela mãe e pelos irmãos… e pela treva que soprava fora do estabelecimento.
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Adam, filho de Ada e Castelo Cinzento |
A passos que pareciam soar ecoantes, Adam caminhou até a porta da taverna e, após um fôlego arrebatador do medo que estava em seu peito, abriu-a vagarosamente, observado pelos irmãos atônitos. A forte ventania da tempestade socou seu rosto, junto aos pingos frios de chuva. Adam desceu os três degraus da entrada nos três passos que definiriam seu caminho na vida. Olhou para o céu, os relâmpagos pareciam mais enfurecidos e a chuva não era só vento e água, agora tomava conta da noite um chuvisco de cor vermelha, o pó de cristais estilhaçados. Ele viu o céu abrir-se e o bruxo, que a tudo aquilo tinha causado, aparecer diante todos, todos que agora, dominados pela curiosidade e coragem, saíam tímidos de seus esconderijos para analisar o que estava acontecendo...
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