Sabemos que os deuses têm muita
imaginação. Claro, eles vomitaram de suas bocas divinas e de seus estômagos
sempre saciados a beleza e a feiura que habitam esse mundo. Uma legítima falta
do que fazer, muitos teorizam, mas deem esse poder à uma criança, que tudo que
tem na vida é tempo, e ela faria o seu melhor tentando criar e destruir vidas, conforme
seus desejos guiam.
Foi
nos primórdios de tudo que nasceu a idealização desta concepção infantil. A
menina que virou rainha e a rainha que virou deusa, pois estes foram os desejos
de Sidhe, a filha da beleza e da magia. “Apenas uma criança” foi o apelo de
suas mães aos deuses primordiais quando estes decidiram puni-la. “Faremos dela
um ser vivente, por boa causa, mas as vidas que ela criará, pois bem sabemos
que isto ela não deixará de fazer, não pisarão nas terras dos nossos”, essa foi
a decisão das deidades que primeiro vieram.
E assim a deusa dos elfos teceu o véu
que cobriria as terras cedidas à Sidhe com a finalidade de impedir que os
encantos desta alcançassem as terras mortais. Pouco se sabe sobre as entradas e
saídas desse lugar, o tão oculto e distante mundo feérico, sabe-se, entretanto,
que o véu por diversas vezes já foi rasgado. “Deixem que uma singela parte das
fadas conheça a liberdade mortal, deixem que suas curiosidades se atenham ao
outro lado do véu”, implorou a deusa do belo e, assim, o deus renascido e ainda
grato pela recente existência decidiu “Que saiam de suas terras os mais
teimosos, mas que saibam que a bênção de sua mãe os abandonará além do véu e,
assim como os meus, reconhecerão a mortalidade enquanto assistem seus corpos
vagarosamente definharem”. Se assim está escrito, assim a maioria acredita,
voltemos agora a nossa atenção a um dos retalhos desse véu.
À
este retalho chamamos de Bosques Rubros, um nome claramente inventado pelos
humanos, pois cabe à ele somente a simplicidade de sua aparência: um bosque de
árvores com folhas vermelhas, laranjas e marrons, esses três tons que muito têm
à ver com as estações do ano para os mortais. Os humanos, principalmente,
acostumaram-se a adentrar o lugar, começando pelos caçadores e lenhadores a
muito desaparecidos. Não demorou para que estes percebessem que os bosques eram
sagrados e que a forma com que tratavam ele seria a responsável por trazer
bênçãos ou maldições.
Assim nasciam, nas redondezas desse
recanto, alguns vilarejos que mais tarde se tornariam a tão renomada Cadic. A
rainha das fadas, que há muito não tinha devaneios tão frutíferos, agora se
encantava com a fragilidade dos humanos. Muitos destes passaram a presentear os
feéricos com peças de seda e pequenos embrulhos que atavam aos galhos baixos
das árvores, outros acreditaram na história contada pelas fadas de que a Rainha
Sidhe presentearia os capazes de chegar até ela. Eras atrás, estes últimos
citados organizavam grupos e caravanas para adentrar os Bosques Rubros e
traziam com eles não somente a boa vontade e simpatia humana, mas também todo
tipo de pensamento ruim que um mortal é capaz semear.
Sidhe,
invulnerável e imortal, pouco conhecia sobre a fragilidade dos homens e, por
muito tempo manteve-se adversa ao conceito de bem ou mal, pois tudo nos humanos
a cativava. Nascia assim, de seus sonhos, as personagens que mais tarde seriam
consideradas aklos, ou, como os mortais batizariam erroneamente, mais tarde, as
fadas negras. Finalmente, o além do véu das fadas conheceu a morte que, para os
feéricos é mais terrível e repentina do que qualquer coisa, pois estes seres
não foram criados para sangrar, mas para se esvanecerem como num sonho,
transformados numa nuvem de prata. Nasciam, então,
Chamamos essa inclemente temporada
de “a tardia maturidade da rainha”, a era em que os feéricos aprenderam o que é
o tempo e a dor. Foi também nesta época que os sonhos mais racionais da deidade
mais caótica criaram as vidas que mais se desassemelhavam às fadas boas ou más.
Nasceram Clion, com a força de cem homens, Zimmo, ágil como os quatro ventos,
Claus, resistente como uma montanha, Lüllio, das geniosas invenções, Gôbe, dos
mais sábios conselhos e Dulei, o sorridente.
Tamanha
foram as proezas desses pequenos e destemidos seres, que, pela primeira vez,
sendo esta a única saída para combater um vindouro massacre, conseguiu-se criar
ordem na, então, anarquia feérica. Fadas e aklos se distanciaram, os primeiros
para as terras veranis e primaverais, os segundos para as regiões invernosas e
outonais, aprendendo a conviver com seus inevitáveis alinhamentos.
Continuaria assim, não fosse a
intromissão das magias estrangeiras, o tipo de magia que arde e destrói a
existência das fadas. Enquanto o mundo das fadas se estabilizava, o mundo dos
humanos enfrentava um mal muito avançado: o deus lich, a necromancia e as
hordas trôpegas. Em posse do conhecimento do Libris Mortis, Saulot evoluiu seus
poderes e criou um exército de poderosas criaturas famintas. Estas não somente
aterrorizaram as terras mortais, mas também serpentearam pelas regiões além do
véu, se enclausurando, criando armadilhas e devorando as fadas.
Quando
a Rainha Sidhe tentou combater as chamadas Proles Sombrias, logo descobriu que
seus poderes divinos não surtiam efeito contra o mal do deus lich e foi
obrigada a ver seus filhos definharem e desaparecerem, vulneráveis às ações da
magia negra. Nesta época, Clion, Zimmo, Claus, Lüllio, Gôbe e Dulei
desapareceram, vítimas da vilania que mais tarde todos reconheceriam como “A
Mortalha”.
O fim dos Bosques Rubros só não
existiu, pois, os próprios mortais vieram às terras das fadas e auxiliaram Sidhe.
Atualmente, a rainha atribui os sentimentos contraditórios de confiança e descrença
para com os humanos, prevendo, enfim, que só eles são a praga e a cura de tudo.
Enquanto
isso, um débil gnomo saía dos Bosques Rubros com uma tremenda dor de cabeça. No
meio de sua fuga, um grupo de goblins, aproveitando-se de seu estado, o
capturou, mas não antes de serem praguejados pelo pequeno maluco:
-
Gôbe odeia goblins! Gôbe ainda vai matar todos!
[...]
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