Ecoou
o primeiro e único grito de Ophellia no palácio de Cadic no mesmo dia que a
monstruosidade de cinco cabeças havia sido derrotada. Muitos passaram a
acreditar que haveria paz no restante da noite e que o primeiro festival feérico
da cidade traria bons augúrios para os próximos anos, mas agora estava Sapphire
com ambas as mãos firmes nos punhos de suas espadas reagindo a situação que
ocorria com a princesa.
As
lâminas mal haviam resvalado na bainha quando a elfa sentiu um aroma adocicado –
rosas da caledônia, ela presumiu – e seus movimentos foram paralisados. Como se
saísse das sombras, um misterioso ser mascarado com uma face de madeira ria em
seu esconderijo:
−
Para curar a dor de cabeça que você vai ter mais tarde por causa dos efeitos
desse perfume, sugiro que você mastigue folhas de hortelã ou transe – a voz
lunática sussurrou das sombras.
Sapphire assistiu aos acontecimentos
parada e sem demonstrar reações, embora o sangue estivesse fervendo em sua
cabeça. A visão, que já estava turva, passou a ser emoldurada por uma névoa
quimérica e somente quando seus aliados tombaram no chão em sono profundo, a
elfa pôde mover-se.
O
ódio acumulado pela situação de fragilidade apenas foi dissipado quando as
lâminas foram desembainhadas e a ameaça, enfim, pudera ser dita em alto e bom
som:
− O que vocês
fizeram a eles, seus malditos bizarros!?
Epherit a observou e pôde notar os
nuances avermelhados que compunham a aura da elfa. Havia rancor, ira e
vingança, mas esses sentimentos não se formaram ali por causa daquela situação.
Ela falou:
−
Você carrega um vislumbre entorpecente ao seu redor, elfa. Sou capaz de sentir
o cheiro ígneo que lhe escapa pelos poros, uma chama alimentada pelo seu
passado. Presumo que você seja Sapphire, inquisidora entre os elfos e simpatizante
à Carmine, a Yeshua do fogo.
−
Você sabe mais de mim do que eu de você, mas isso não vai te dar vantagem
nenhuma nesse embate – as lâminas de Sapphire foram apontadas perigosamente em
direção à Epherit, mas a amante de Fleghias pouco reagiu.
−
Você não sabe a quem está se dirigindo, elfa – aproximou-se um dos líderes da
Fênix Branca. Ele empunha uma lâmina exótica com fio em apenas um dos lados e
interponha-se entre Sapphire e Epherit numa posição de combate familiar para a
elfa – melhor respeitar o código das boas-vindas, senão, eu não tenho um porquê
de respeitá-lo também.
A
espada exótica foi desembainhada e Sapphire pôde ver o desenho de uma
serpente-dragão brilhar como num espelho bem polido que era a lâmina da arma do
oponente.
Sapphire
conhecia aquela arma, uma espada de Asura a qual seu mais recente mentor
chamava de katana. Conhecia também
aquela posição em que a lâmina se projetava quarenta e cinco graus com sua
extremidade mais letal voltada para o chão, mas que, para alguém que conhecia
bastante o estilo de luta significava apenas duas escolhas mais pertinentes durante
a primeira rodada de iniciativa do combate: proteger o peito esquerdo e tornar
outras partes do próprio corpo mais vulneráveis ou contra-atacar no ponto de
mais fácil acesso que o dominador daquela arte permitia: acima do joelho que,
durante a movimentação, seria o ponto mais eficaz, já que a perna do indivíduo
estaria articulada os mesmos quarenta e cinco graus da arma.
Golpear acima do joelho não era
mortal em primeira instância, mas acarretaria no impedimento do uso da mesma
técnica posteriormente, então, o coração de Sapphire estaria protegido... se
tivesse sorte.
Resoluta
de sua decisão, Sapphire virou o próprio corpo, não mais que quinze graus da
posição inicial e articulou a perna esquerda num ângulo de trinta, tornando seu
membro inferior um empecilho no caminho da katana
que o adversário pretendia orientar. A elfa fez aquilo com tamanha naturalidade
que o inimigo se impressionou.
Os
dois partiram numa investida letal, um contra o outro. O oponente se preveniu
do ataque secundário à sua perna e Sapphire livrou-se do ataque mortal que atravessaria
seu coração durante um rodopio ágil.
−
Onde aprendeu Tsubasa wa soru*? –
perguntou o oponente curioso
* significa
“asa protege corpo”.
−
Do que você está falando?
−
Não pode ter desenvolvido essa técnica com tamanha perfeição naturalmente.
Diga-me quem foi o seu mestre e lhe darei um combate honrado.
−
Reconheço parte de sua técnica, por sorte a parte que me garantirá a vitória
nesse embate. Aquele que me treinou foi Urameshi de Asura e o nome dessa
posição não é esse que você pronunciou. Chama-se Usagi no shiri.
*
significa “bunda da lebre”
−
Está zombando de mim, elfa?
−
Defenda-se disso e você viverá para descobrir se eu estou disposta a te zombar!
Com
a ajuda de um impulso auxiliado unicamente pela perna esquerda, Sapphire alcançou
o oponente desferindo um golpe leve contra seu peito e abrindo caminho até a
traqueia para estocar em última instância. O adversário defendeu-se com certa
facilidade, mas ficou bestificado com a manobra.
-
Uma ótima adaptação do tori katte iru*.
A curva convexa mais íngreme nas suas costas permite alcançar um centímetro
mais longe e torna o golpe mais letal. O impulso com a perna não hábil é uma
manobra perigosa, mas surpreende e isso pode ser fatal contra um iniciante.
*
significa “bico de pássaro”. É uma manobra simples que tem o intuito de afastar
o oponente, mas que, na versão da Sapphire, visa surpreender alguém que já conhece
a manobra.
−
O verdadeiro nome desta manobra é Onara
kanji nakatta*. Você vai conversar ou lutar?
*
significa “peidei mas não senti”.
−
Seu mentor é um idiota! – afirmou o adversário, sério.
−
Ele parecia um, mas isso não interessa!
−
No entanto, seu estilo é eficaz e exótico. Será uma pena eliminar uma de suas
discípulas.
−
Falar muito é sua principal manobra de combate?
−
Parem com isso... – intrometeu-se Epherit, apesar de toda tensão, havia
austeridade em seu olhar – Sapphire, não é minha intenção ou da Fênix Branca
ferir ou prejudicar você ou seus amigos. Ophellia me parecia forte, mas fui
precipitada. A ligação que ela tinha com o Éden era longínqua. Seus amigos são
mais do que capazes de trazê-la de volta, mas, mesmo que não sejam, conheço
alguém que faria isso facilmente.
−
Porque eu fui impedida de ajuda-los? Porque estou aqui? Ponha-me neste tal Éden
também.
−
Sinto muito, querida, os elfos são incapazes de acessar o Éden.
−
Não existe incapacidades quando se é elfo. Dê-me uma razão antes que eu coloque
a inquisição contra a Fênix Branca inteira.
−
Elfos não sonham e o Éden é um plano quimérico.
−
Que tipo de magia se limitaria a não ser praticada pelos elfos?
−
Os elfos dão outro nome e forma ao Éden. Você já deve ter ouvido falar de eidolons.
Sapphire
consentiu, pois, apesar de pouco conhecer sobre os espíritos arcanos que
governa o caminho dos elfos, reconhecia a existência dos mesmos. Havia muita
placidez nas expressões de Epherit e a elfa não conseguia despejar seu rancor
sobre ela. Se viu mudando de assunto:
−
Você conhece meu nome e parece saber mais do que isso. O que isso significa?
−
Sinto muito se fui invasiva. Eu conheço pouco sobre você, Sapphire. Conheço
apenas o que me foi falado na última hora.
−
Quem estava falando de mim?
−
Um simpático senhor anão que dizia te conhecer. Seu nome era Gongo e ele me
disse que você pediu informações a ele sobre o paradeiro da sua irmã.
−
Isto é verdade! Mas porque diabos ele comentaria isso com alguém como você?
−
Porque ele sabia que eu poderia lhe ajudar de alguma forma.
Pela primeira vez desde o início
daquele embate, Sapphire não empunha firme suas armas. Seu rosto parou de
expressar exigências e parecia demonstrar lamentação:
−
Quero saber da minha irmã, Cornalina.
−
Não tenho boas notícias, querida Sapphire.
−
Conte-me, preciso ajudá-la!
−
Não conseguirá. Não, ainda. Se tentar fazer qualquer coisa, perderá muito mais
do que a vida.
−
Explique isso direito.
−
Ajude os seus amigos e prossiga sua jornada. O verdadeiro lugar em que
Cornalina está é inalcançável para a Sapphire que você é agora.
−
Diga onde ela está!
A
exigência soou rígida e isso demonstrava o quanto a preocupação de Sapphire
estava acima dos encantos de Epherit. Houve um minuto de silêncio no palácio
todo, então, Epherit mostrou-se complacente:
−
Eu lhe direi Sapphire, mas darei ordens
para que a própria Fênix Branca a cace e destrua caso você se aproximar daquele
lugar.
−
Diga-me... – em primeiro sinal de
respeito, a elfa embainhou suas lâminas e manteve-se neutra e frágil diante os
olhos de todos da Fênix Branca.
−
Sua irmã está em Xea’thoul, o Pântano do
Ébano.
Os olhos de Sapphire se arregalaram,
o peito e o estômago foram socados pela informação e o sal das lágrimas
começava a arder em suas órbitas.
O
que ela poderia fazer em relação a isto?
[FIM]
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