Os Atemporais - Capítulo 05 - A garganta do oceano

Nos engalfinhamos para mais adentro das ruínas. Havia vários caminhos que podiam ser traçados, alguns esculpidos por mãos inteligentes, outros desenhados pelo tempo e a natureza. Usei de meus dons para guiar o grupo, farejei um pequeno tesouro por um caminho que se estendia para o oeste muitos metros, havia uma arca protegida por armadilha mágica, pedi as bênçãos de Endimion, dissipei os encantamentos e, usando um par de gazuas, abri o receptáculo me deparando com alguns pergaminhos de magia antiga e um bastão da imobilidade. Fiquei feliz com o achado, mas o restante do grupo me recriminou, pois aquele caminho mostrou-se sem saída. Logo, eles deduziram que eu os havia direcionado para o caminho errado propositalmente, apenas para obter os itens que tenho em mãos agora. O que posso dizer, meu caro leitor, é um vício, além do mais, esse bastão pode me servir para alguma situação depois. Ele possui um pequeno botão nas laterais que, quando apertado, o item não pode ser deslocado, inclusive se estiver flutuando em pleno ar.

Me desculpei com o grupo, sem sinceridade, e tomamos o caminho leste, que era o correto. Freya farejou a criatura que enfrentaríamos no fim de um longo corredor: um limo gigante e gelatinoso que era capaz de desenhar o alto relevo de faces meio humanas na pele membranosa e ácida que a cercava. Pareciam os fantasmas das criaturas que um dia ela havia se alimentado e isso me abriu um outro nível de perspectiva do quê poderíamos encontrar nessas ruínas. Teomund pediu à Varuz que resolvesse o caso e o forjado de batalha adiantou-se fulminando a criatura com pássaros de energia azulada que mergulharam em seu corpo explodindo e a deformando até torná-la uma poça inofensiva. Sebille conjurou uma maldição capaz de secar o corpo e as vísceras de uma vítima até que esta se torne pó e o limo evaporou como se nunca tivesse existido.

Ouvimos o barulho do oceano batendo em pedras ao nosso redor e percebemos que desceríamos para um subterrâneo abaixo do nível do mar. Nos deparamos com um enorme fosso de águas ágeis, ali decidimos mergulhar, mas antes, o casal Salvatore tornou-se sombra, averiguou as profundezas conflituosas e retornou com a informação de que o canal nos levaria à uma caverna seca, mas teríamos que nadar durante alguns minutos até encontrar um grande salão subaquático onde um polvo do tipo leviatã repousava dormindo vítima dos encantos que o casal havia conjurado embaixo da água, então seria necessário furtividade.

Ithias, que é um especialista transmutador, tirou de seus pertences alguns pergaminhos e conjurou sobre mim, Teomund, Arafat, Cebolas e Freya uma magia que nos garantiu guelras e nadadeiras. Sebille enfiou-se dentro de seu esquife e Cebolas amarrou-o às costas. Ela não poderia atravessar a água corrente. Sethos a desprezou lembrando da maldição que ela havia aceitado ao se tornar uma morta-viva, Sebille não argumentou contra, mas revelou que já havia se alimentado muitas vezes dos nômades do deserto de Quéops e que eles eram excepcionalmente saborosos. Sethos não se beneficiaria das nadadeiras, pois seu corpo misteriosamente não aceita passar por transformações - sorte que ele não precisa de ar para sobreviver.

Teomund me pediu atenção e sugestionou que eu não me desviasse do caminho por qualquer motivo. Concordei falsamente e percebi que o mesmo desenhava uma runa nas paredes da ruína. Eu conhecia aquela runa, já a havia visto desenhada em alguns marcos do percurso, certo de que ela representava a palavra viagem ou jornada. Teomund explicou-me que aquela runa se chamava "salto da jornada" e que poderíamos usar ela como ponto de retorno. Já havia ouvido falar sobre isso antes, mas pensava que a magia para ativar esse tipo de runa havia desaparecido há muito. Invejei Teomund e suas viagens interplanares, pois deduzi que aquela magia só poderia ter sido resgatada numa jornada além deste mundo, senão, teria farejado ela a algum tempo. Teria facilitado muitas de minhas aventuras.

Arafat foi o primeiro à mergulhar e afundar vítima de sua pesada armadura. Teomund agarrou-se à Varuz que também deixou-se afundar. Ithias transformou-se num peixe abissal cujo da fronte se estendia uma órbita de luz amarelada. Os Salvatore se desmancharam em sombra, Sethos reclamou que toda aquela água iria encharcar seus trapos e eles demorariam para enxugar e pulou logo em seguida. Cebolas, com o pesado esquife nas costas feito uma grande mochila de viagem, fez um incrível salto ornamental antes de afundar na água. Depois foi minha vez.

Já dentro da água, enxerguei o ponto luminoso que era a haste pisciana de Ithias e os meus olhos começaram a se acostumar com o breu há muito não explorado. Olhei para as profundezas e notei a criatura ancestral e gigantesca enterrada na caverna, quase camuflada, um polvo gigante que os piratas de Labrynna chamariam de kraken. Ele era incrível. De alguns orifícios da criatura borbulhavam bolhas enormes e seus tentáculos imensos se desdobravam adentrando cavernas profundas que faziam parte do subsolo de toda ruína. Uma forte pressão parecia se esforçar para nos arremessar contra o vasto oceano diante nós. O oceano era como um céu distante e completamente sem estrelas. Infinito parece ser o adjetivo mais cabível para aquele momento.

Pisando nas profundezas da caverna subaquática, Theomund, Varuz, Arafat, Cebolas e o esquife perambulavam contornando os tentáculos curvos da criatura, usando as deformações rochosas como travessias e pontes. Perdidos nas escuridão flutuante o restante do grupo resolveu não tocar no solo, portanto, só nos reencontraríamos ao final da excursão dessa caverna subaquática. Eu fiquei para garantir sorte aos meus companheiros - e também para não deixar escapar nada de incrível que eles se deparassem no meio do caminho.

Teomund apontou a direção em que havia uma caravela despedaçada próxima a um dos tentáculos do kraken. A barba mal cuidada de Cebolas flutuava desordenadamente frente ao seu rosto, quase à enforcá-lo e ele ficou um pouco para trás. Me aproximei de Teomund. Ele pretendia atravessar por uma lasca da caravela naufragada e chegar ao outro lado da embarcação às ocultas. Vi ele e Varuz adentrarem, depois Arafat. Esperei por Cebolas e enquanto isso averiguei a esquecida embarcação. Havia muito limo a cobrindo e também uma vasta cadeia de corais por onde saíam pequenos peixes e crustáceos. Senti que conhecia aquela embarcação morta, raspei um pouco de seu casco e pude ver o nome "Apuana" escrito nela. É uma longa história, meu caro leitor, talvez um dia eu encontre tempo para contá-la à você, entretanto, para esta narrativa, não importa.


Cebolas ficou preso em algumas algas marinhas enquanto um dos tentáculos do adormecido kraken se aproximava perigosamente. Nadei até lá e o puxei pela longa barba, livrando-o de um choque que provavelmente quebraria sua coluna e o esquife que Sebille se encontrava. Apontei para a direção certa, depois notei algo brilhando no meio do caminho. Aquilo atiçou minha curiosidade. Deixei Cebolas partir e resolvi desobedecer a sugestão de Teomund...

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