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Paladinos do Templo de Splendor |
Primeiro veio o grande tremor arrastando tudo, era a massa da criatura desabando sobre o mundo dos vivos depois de tanto tempo. A escuridão que a cercava foi se adensando ao corpo gigantesco formando uma grossa camada de marfim, osso de demônio, seu exoesqueleto notoriamente difícil de transpor. A bocarra abriu-se, como uma caverna lotada de estalactites e estalagmites perfurantes, um par de presas saltavam de sua jugular e se alongavam como lanças tortuosas, feito as de um mastodonte, a cabeça incrustada da mais dura carapaça chegando a encostar nas nuvens tempestuosas. O bramido soou alto, bem mais alto que um trovão, e de sua garganta cavernosa uma dezena de criaturas aladas, demônios vindos da boca do inferno, voaram para o plano material, para Cadic. Eles tinham escamas e cheiro de enxofre e de morte, feras dracônicas abissais. O estômago do colosso acendia, como se seu núcleo portasse uma parte do tártaro.
Em seguida, quando o titânico pôs-se de pé, ele tornou-se um terremoto bípede, cravou suas pesadas garras de osso no chão, bem fundo. Casas da área das docas foram devoradas, esmagadas para o interior da terra, então, um terremoto ainda mais estrondoso precipitou-se. Os bravos defensores de Cadic que não se apoiavam em alguma estrutura, caíam, enquanto escutavam o ronco do solo. Foi quando o colosso alcançou algo, talvez o núcleo do inferno abaixo da crosta terrestre e, então, puxou com tremenda força, provocando uma nova onda sísmica capaz de criar uma fenda aos seus pé e tirar de lá sua arma: uma foice tão grande quanto uma montanha, feita de ferro e osso, negra e profana.
“Retiro o que eu disse”, comentou Wolfgang, “essa luta não vai ser tão fácil assim”, “O que diabos estamos mesmo fazendo aqui, Wolf?”, perguntou Atticus, “Cumprindo uma promessa que fizemos ao nosso tio”, o anão segurou firme seu machado e junto aos dois irmãos buscaram coberturas atrás das casas mais sólidas, “Que promessa sem jeito!”, exclamou Atticus.
No distrito de Forte Decker, Samuel Ascallon olhava a criatura embasbacado. Como enfrentar uma entidade dessas proporções? Seus soldados disfarçavam o medo empunhando suas armas e bradando, clamando por Splendor e outros deuses, mas Samuel duvidava que qualquer divindade pudesse ajudar naquele momento, “Senhor, os paladinos do templo, eles estão conosco”, avisou-lhe um dos soldados, Samuel observou sua dezena de aliados aterrorizados, pálidos sobre a chuva que caía à horas, apesar de tantas baixas, eles eram um bom número, fortes e impetuosos, todos bem treinados, nenhum ousou fugir para longe daquela inevitável derrota, pois sabiam que seu líder, o próprio Samuel, jamais iria fazer isso. “Senhor?”, repetiu o soldado, mas o general estava absorto em seus pensamentos, qual seria a escolha mais sábia? Enviar todos aqueles inocentes direto para uma morte esmagadora?, “Senhor? Os paladinos…”, Samuel olhava o horizonte escuro e relampejante, observava as construções que cediam à destruição, madeira e mármore partidos e despedaçados, nada parava aquela criatura! Encarou as construções mais próximas e se deparou com a monolítica estátua coroada do príncipe Alberich, erguida ali, no meio do pátio do distrito de Forte Decker para que todos os habitantes de lá reconhecessem, todos os dias, quem verdadeiramente governava Cadic inteira. Então teve uma ideia, “Soldados! Derrubem a estátua!”, comandou e os soldados ficaram inertes, “Derrubem a estátua do príncipe agora!”. Os soldados não entendiam, mas já buscavam grossas cordas de cânhamo para ajudar a realizar o feito.
Enquanto isso, em frente à taverna das Nove Flechas, Adam ansiava tentar ser útil de alguma forma, “O que faremos, Sebi…”, olhou para os lados, mas a bruxa já não estava lá, em seu lugar estava o trio de gnolls, “Graur knôssus alvantûr”, ululou o cacique, dizia que a chuva nunca cedia, Adam podia entender o idioma dos homens hiena, “É isso!”, Adam foi ter uma conversa com os ferais dizendo-lhes, no idioma deles, “Controlem a chuva! Sei que vocês podem fazer isso, meu pai me disse que vocês dançavam e a chuva vinha!”, os gnolls se entreolharam e responderam “Já tentamos fazer isso, mas nossa magia xamânica não consegue encerrar a tempestade. Nós três não temos força o suficiente”, “Não cessem ela! Tornem-na mais forte, façam com que a tempestade varra o céu e torne-se mais incontrolável!”, os gnolls não entenderam, “Façam! Confiem em mim!”, e os homens hiena viram em Adam a confiança de Castelo Cinzento. Obedeceram.
Dentro da taverna das Nove Flechas, Sebille procurava por algo. “Não faça mal aos meus filhos!”, implorava Ada em frente às oito crianças, um resquício de magia pingava de suas mãos, “Não se preocupe, querida, eu não sou vilã… quer dizer, dependendo do seu ponto de vista é claro…”, “Quem é você?”, “Sou Sebille, seu marido me conhece e me trata como um lixo, mas eu não sou do tipo vingativa”, “O que está fazendo aqui?”, “Procurando por algo…”, Sebille comandou à Hildegrimm zumbificado que se aproximasse da família, Ada confrontou-o corajosa, “Querida, eu acho que você não entende as proporções da coisa que está acontecendo aqui, você não vai afetar o meu amado com uma magia de primeiro círculo, por favor, se afaste…”, Ada teimou, Hildegrimm armou-se com a espada larga, todos então se afastaram revelando o enrolado encharcado estendido no chão, “Ai, que bom! Ela ainda está completa! Pegue-a Hildegrimm, amor…”, o zumbi assim o fez, ergueu o corpo da falecida Sapphire e o carregou nos braços, guardando a espada larga nas costas, “O que você vai fazer com ela?”, “Não tema, querida, a elfa vai ficar melhor nas minhas mãos, aqui ela é só um peso morto… ...literalmente”. Foi-se.
Os ventos já haviam começado a ficar mais intensos e, sem demasiado esforço, os soldados no distrito de Forte Decker receberam uma bela ajuda da natureza ao tentarem desabar a estátua. Ela caiu pesada e firme no chão, “Muito bem, soldados!”, as criaturas aladas avançavam com dificuldade para cima da fortaleza do distrito, suas asas não se adequavam àquela repentina força da ventania, então se aproximavam do pequeno exército e eram liquidadas por espadas e lanças em pleno voo, “Eles são muitos!”, exclamou Cliver, “O que o general está pretendendo fazer?”, questionou Diana ao ver que os soldados, comandados por Samuel, erguiam a estátua novamente mirando a cabeça do príncipe na direção do colosso, encostada à uma estrutura, formando um ângulo, “Não há como atirarmos essa estátua contra a criatura!”, ela gritava, pois no meio da tempestade cada vez mais intensa as vozes ficavam cada vez mais ensurdecidas, “Eu acho que atirar não é a opção dele…”, informou Cliver, então Diana pensou mais uma vez e finalmente entendeu… “Ele está querendo que o colosso invista contra nós?”
O colosso devorava a cidade, não se contentando em vê-la tão destroçada quanto já estava. Ele, então, escutou o barulho da estátua do príncipe desabar no chão e desviou seu olhar de escuridão para aquela direção. Arrasando com tudo que estava em seu caminho, a criatura tomou rumo até o distrito de Forte Decker.
Nos galhos mais altos da gigantesca árvore de Cadic, Thallion esperava ansioso o comando das pequenas fadas...
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