Meu caro leitor, as palavras escritas nesse texto não serão suficientes para descrever o acontecido extraordinário desse achado. Me lembro de ter olhado para trás e ver Cebolas encontrar o caminho correto, então notei Teomund expandir uma luz fraca na palma de sua mão e acenar, fiz de conta que não vi e me embrenhei entre as rochas e a formação de corais onde comecei a escavar algo que já não mais parecia tão brilhante. Meu senso de descoberta, entretanto, pulsava como nunca. Armei-me de uma pedra pontiaguda e quebrei parte do coral afugentando pequenas criaturas marinhas. Parecia ser um crânio muito grande, talvez a ossada de um dos gigantes de outrora, mas o toque era frio como o metal e não parecia se agigantar para mais do que o tamanho de uma rocha média. Precisava saber o que era aquilo.
Teomund e Varuz retornaram para o meu encontro. Arafat e Cebolas buscaram esconderijo dentro do Apuana naufragado. O rosto de Teomund expressava a mais rígida das repreensões. As palmas da mão do mago brilhavam como lanternas cobertas e jogavam filetes de luz ao meu encontro, foi por isso que vi que o que estava enterrado ali, diante de mim, possuía cor e estava cravejado com uma estranha pedra marinha. Debrucei-me sobre algo que parecia uma grande máscara e puxei com o esforço que podia exercer debaixo da água. Teomund me alcançou, tocou-me no ombro, então, juntos, sentimos a sensação de que um terremoto longínquo e acima de nós havia se iniciado. A pressão da água que, conforme havia dito antes, nos puxava para o intenso oceano, agora nos arrastava contra as paredes laterais da gigantesca caverna subaquática.
Eu, Teomund e Varuz, agora, éramos apenas três pontos minúsculos diante um olho tão imenso quanto uma montanha. Varuz cravou suas pernas no chão e ficou imóvel como pedra, Teomund usou o guardião protetor como seu escudo. Eu fiquei embasbacado analisando o tamanho daquela coisa. O olho dela não era como eu deduzia ser o de uma fera ancestral e marítima, era quase uma versão humana de grandes proporções. Um olhar lancinante e inteligente que também era um mundo tempestuoso, pois havia a força de uma tormenta neste e ela iria carregar esse temporal por onde fosse. Imaginei, no momento, que aquilo diante de nós fosse um elo perdido, uma das criaturas titânicas de outrora e creio, até esse momento, que minhas deduções talvez não estejam erradas.
Assim despertamos a criatura e a caverna junto com ela. Cinco minutos inteiros se passariam enquanto todos os tentáculos do colosso se desenraizavam dos túneis subaquáticos. A criatura se ergueu e pude ver, em meio às nuvens de tinta e escuridão, seu rosto humanoide se mostrar e o torso esguio de uma mulher desnuda elevar-se para fora da vastidão subaquática. Ela soltou um guincho ensurdecedor e seus tentáculos varreram tudo ao redor. Perdi-me de Teomund e Varuz, senti a lama abarrotar minha visão e me deixei ser levado pelo forte redemoinho embaixo da água, rogando à Endimion que nenhuma pedra ou estrutura me esmagasse enquanto era arremessado para qualquer lugar.
Me lembro de ter visto o Apuana inteiro flutuar dentro das águas profundas e tenho quase certeza de que vi Arafat e Cebolas agarrando-se aos destroços deste, enquanto ele era reduzido à meras lascas de madeira. Filetes de luz partiam pedras e desenhavam uma linha perfeita e azulada na escuridão subaquática, deduzi que fosse Varuz partindo os destroços antes que estes o esmagassem.
Minha visão ficou turva. Eu estava em êxtase! A criatura tinha centenas de tentáculos! Era a mais perfeita das criações! Tinha a silhueta feminina e o porte de uma rainha dos oceanos. Eu estava diante de um dos deuses de Labrynna, a própria origem dos leviatãs. Ela apenas se movia, incomodada de estar sendo espiada e seu mero deslocamento causou o torvelinho que me arrastara para imensidão infinita do oceano. Uma forte tempestade se iniciaria à céu aberto, quilômetros acima de nós, e permaneceria dias assim, até que enfim se acalmasse. Essa tormenta iria destruir embarcações furiosamente, inundaria ilhas e terras distantes, então os piratas e corsários sacrificariam algo para o mar e, talvez, quem sabe, isso acalmasse Leviathan.
Passou-se muito tempo enquanto minha admiração ainda fervilhava na cabeça. A magia que Ithias havia conjurado em mim - que suspeito ter permanecido muitas horas - acabou e eu senti a dor da pressão subaquática invadir minha boca, ouvidos e nariz. Meu corpo se debateu, socado pelo afogamento e minha visão se desfez logo depois, enxergando ainda a imensa criatura afastar-se para profundezas ainda mais obscuras.
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