Os Atemporais - Capítulo 01 - Sobre os atemporais

Desperto neste momento, enxergando os primeiros indícios da luz matutina que incide adentro da cabana de pedra invocada por Teomund desde a última noite. O estalo  do fogo na lareira deve ter encerrado na derradeira hora e isso quer dizer que logo a chama se extinguirá e, porque eu conheço a magia de Teomund, sei que logo todos estaremos de pé.

Tem um grupo relativamente grande junto à mim nessa jornada. O maior com que já andei. Você, meu atento leitor, deve me conhecer de outros escritos. Me chamo Volke Dundrago, sou um clérigo de Endimion, o deus dos andarilhos que dispensa maiores apresentações. Minhas mãos se acostumaram com o uso da pena e da tinta passadas essas gerações, de modo que fui incumbido de anotar os episódios que se estenderão nesta e em próximas aventuras.

Volke Dundrago, clérigo de Endimion

A maioria de nós ainda está dormindo ou em torpor. É válido salientar que todos nós decidimos nos reunir e formar esse excêntrico grupo porque não apenas conhecemos sobre a história desse mundo, como também vivenciamos parte dela durante muito mais tempo que uma vida humana ou mesmo élfica. Por isso nos chamam de atemporais - palavra que uma vez foi dita por um estudioso e tornada título pelos mais ignorantes.

Eu, por exemplo, nunca poderei morrer enquanto existir histórias para contar, mas logo definharia e me tornaria pó se me indispusesse à contá-las. Não por isso faço questão de me encontrar com a morte, por isso, evito fazer escolhas imprudentes. Da última vez que morri, Ian e Emerald precisaram me resgatar em sei lá qual número de inferno, pois um lorde demônio - com um nome que faço questão de não revelar - certa vez decidira me aprisionar para que eu pudesse lhe ofertar todo tipo de conhecimento.

Particularmente adoro grandes jornadas e a sensação renovada do vento batendo no rosto após eu ter passado cinco dias me aventurando numa masmorra profunda. Sempre sei a direção das coisas, é um dom que Endimion me deu, de modo que sou um guia excelente. Consigo farejar ouro a quilômetros de distância e os cabelos de meus braços e nuca se eriçam quando estou perto de um item mágico - a sensação é ainda mais notável tamanho o poder do artefato farejado. Meus olhos conseguem enxergar auras e minha boca é capaz de se comunicar com a própria magia - um dom que me foi oferecido por Celedris, o deus da Ordem Arcana, há muito.

Saio da cabana com cuidado suficiente para não pisotear Cebolas - isso mesmo, com "C" maiúsculo, já que estou falando de um velho guerreiro que herdou esse pitoresco nome. Antes nos preocupávamos em arrastá-lo para uma das camas do aposento, hoje em dia, deixamos ele jogado no lugar em que ele julga melhor sofrer o infarto das 24 horas. Dentro de instantes, Sebille acordará ele novamente.

Percebo que a porta está entreaberta e sei que somente um de nós é capaz de acordar mais cedo que os demais. Encontrei-me com Sethos, clérigo do deus sol, em seu macabro, porém sagrado, traje eterno - permita-me ser mais direto, meu caro leitor: Sethos é uma múmia e, como tal, sempre está enrolado em seus trapos. Ele esconde sua feiura imaculada com muito ouro e um traje exótico de sua terra desértica. Neste momento, parte de sua pele cinzenta e apodrecida está amostra, mas normalmente ele apela para uma máscara de ouro ou uma magia celestial para mudar sua aparência quando adentra vilarejos e outras comunidades incapazes de entender sua existência.

Sábio como é, Sethos mantém a calma e empatia com aqueles que o prejulgam, mas sei que não é nada fácil para o ego dele ser retratado como um morto-vivo - justamente o tipo de criatura que ele mais abomina, caça e extermina. Sethos está de joelhos e o torso curvado em direção ao chão, mãos estendidas no solo enquanto murmura suas orações ao deus estrangeiro. Ele é capaz de ficar naquela posição o dia inteiro, mas faz isso somente durante uma hora, enquanto acompanha o nascer do sol.

Os crânios e velas fantasmagóricas presos ao cajado e ombreiras de sua armadura dourada não colaboram pra que sua presença seja menos assustadora. São seis crânios, no total. Certa vez ele me contou que cada um destes pertencia a um oráculo, um sacerdote de Selloth capaz de enxergar minúcias do futuro, e que ele próprio seria capaz de se comunicar com os espíritos destes numa língua esquecida que ele nega ensinar à qualquer um.

Sethos, clérigo de Selloth
 
Aqui, torna-se importante falar sobre o cajado encostado no chão ao lado de Sethos. Nele está incrustado o lampejo divino de Selloth, um artefato poderoso contra mortos-vivos, capaz de torná-los pó enquanto incendiados por uma intensa luz branca. O clérigo múmia sempre nos avisou que não pode ativar os poderes do lampejo divino em qualquer situação, pois controlá-lo exige demasiado poder e concentração. De qualquer forma, parte do grupo agradece esse fato. Sethos não pode utilizá-lo na presença de Sebille, Ian e Emerald sem causar enorme tumulto.

Última nota de extrema importância: a não ser que esteja disposto à ouvir um discurso de duas horas, nunca o chame de morto-vivo. Ele não é. Fazer isso é como compará-lo às múmias criadas por Zykhait, a senhora da escuridão e inimiga de seu deus. Sethos já nos explicou diversas vezes, sua raça é chamada "imortal", o que há dentro dele é a mais pura luz sagrada de Selloth e não a praga necromântica das demais múmias. Ele ficaria muito ofendido, assim como ficaria se eu atrapalhasse suas orações uma hora dessas. Melhor deixar ele em paz.

Senti a brisa fria arranhar minha pele e, por causa disso, deduzi que mais um de nós já espreitava os arredores da cabana. Mais um ou mais dois, se você considera uma cabeça falante como parte do grupo - embora devo admitir que essa cabeça sempre se mostrou insuportavelmente presente. Esses dois a quem vos falo são Arafat e Hydro, uma dupla de estranhos andarilhos sem causa. 

A idade caiu sobre Arafat, tornando-o um senhor de vasta barba branco-acizentada e desgrenhada. O hálito do guerreiro é o sopro de um lobo das estepes, pois, quando em vida, foi presenteado postumamente por Hydro com o coração de um ravid encantado pela magia negra de uma baba yaga. É uma história impressionante demais para ser encurtada, mas é isso que acontecerá com ela, por enquanto, fato é que, a própria pele de Arafat transpira o frio e torna qualquer ambiente em que ele se encontre bastante inconveniente - por isso, todas as noites ele permanece fora da cabana de pedra ou nossa lareira simplesmente se apagaria. 

Não tenha pena do pobre Arafat, meu caro leitor, tenho quase certeza que o guerreiro prefere assim. Ele está muito mais acostumado com o frio da noite do que com o calor do dia. Há algo mais que você não sabe sobre ele: nunca o vi descansando propriamente. Ele está sempre vagando, às vezes se afastando muitos metros adiante ou se atrasando muitos metros atrás. O que noticia sua chegada são seus olhos vermelhos e gotejantes que parecem se adaptar à escuridão. Arafat usa uma armadura enegrecida, forjada em adamante, quase tão pesada quanto uma carruagem inteira, mas que, em seu corpo, parece flutuar e ser incapaz de emitir qualquer barulho - assim, o guerreiro gelado some e aparece tal como um fantasma. O manto vermelho que cobre seu rosto colabora com o visual assombroso, ele drapeja como se estivesse sempre desafiando o vento e desfigura Arafat, esvanecendo sua imagem conforme seus passos - presente roubado de um senhor illithid.

Arafat, andarilho sem causa

Se Arafat permanece sempre mudo e silencioso, seu companheiro de todas as viagens é exatamente o oposto. Este é Hydro, uma criatura que há muito foi um gnomo, agora é uma cabeça falante capaz dos discursos mais eloquentes e irritantes. Não é fácil conviver com Hydro, demos sorte que Arafat sente o mesmo e a maioria das vezes cala a boca do gnomo escondendo-o envolto no manto. Em vida, Hydro foi um tipo de arcano bem-sucedido, colecionador das almas congeladas de Nevaska, talvez por isso seu poder sobre o frio seja imenso. 

Arafat e Hydro existem graças à magia negra de uma baba yaga e muitos de nós sabemos que essa bruxa tem uma índole pior que a de um vrock num dia que este esteja se sentindo particularmente perverso. Ambos, entretanto, se mostraram úteis na jornada e sob a ordem de Teomund, nos permitimos ser seguidos pelos intrusos - sob os protestos teimosos de Sethos sobre a natureza arruinada da dupla. 

Acontece que o restante do grupo, e estou incluído neste, dificilmente questiona Teomund, o filho do profeta Sigmund Fawkes e possível detentor de todo conhecimento que este último tinha em vida. Teomund possui algo que chamamos de presciência holística, o que ajudou a torná-lo um líder eficiente do grupo, sempre disparando ordens, indicando caminhos e dando conselhos que soam muito mais como uma adivinhação do que sabedoria. É este Teomund, arcano e humano, capaz de falar com as estrelas, a quem mais temo dentre os representantes desse grupo.

Teomund Fawkes, presciente holístico e descendente de Sigmund Fawkes

 

Detentor de olhos misteriosos, como órbitas estelares dançando num intenso vazio, Teomund conhece nosso passado e suspeitamos que o nosso futuro também. Ele controla nossos ânimos. Você perceberá, meu caro leitor, que muitos de nós temos razões variadas para suspeitar da confiança de um para com outro, mas quando nossos temperamentos se confrontam, é Teomund que nos cala com uma ordem ou chama alguém do grupo para falar particularmente e, de repente, tudo esta sob controle novamente.

Suspeito, entretanto, que mesmo um mago capaz de adivinhar momentos futuros deve estar bem preparado para o caso de sua liderança voltar-se contra ele e, é por isso, que Teomund está sempre acompanhado de Varuz, um poderoso ser composto de metal e magia arcana detentor das bênçãos da misteriosa Divina Engrenagem. Teomund foi presenteado pelo próprio Barão da Máscara de Ferro, governante do reino de Dechaeon com esta coisa para um propósito que ainda me é um tanto secreto.

Varuz, forjado da Divina Engrenagem

O guardião protetor de Teomund é uma armadura eficiente e possui grande poder destrutivo. Sua fronte é a de um anubite, um humanoide com a cabeça de chacal que muito afronta as vontades de Sethos - aliás, você logo perceberá que Sethos é um grande hiato entre os participantes desse grupo, estando aqui para se mostrar útil numa luta que poucos poderiam lutar.

Varuz atende às ordens do protegido como se tivesse sido programado para esse propósito - suspeito que possa ser isso mesmo. Acerca de sua história pouco se sabe, um dia, suspeito, tenha sido um mortal, sei que ele conhece muito sobre a Ordem Arcana e que, de verdade, ele viera de Mordae antes de se tornar um dos experimentos do barão em Dechaeon. Devido à mecânica falta de expressão, é muito difícil reconhecer qualquer motivação neste forjado, o que não é grande problema, já que ele se limita à responder ordens sempre da forma mais ágil e eficiente.

OK, amigo leitor, já lhe apresentei metade dos Atemporais, mas antes de continuar - e para não tornar a leitura deste documento tão repetitiva - devo agora me concentrar na descrição do lugar em que estamos.

Este é o segundo dia que nos embrenhamos na selva de Chattur'gah em direção ao que os estudiosos estão chamando de "limiar do mundo". Os magos da Ordem Arcana sempre detiveram essa teoria: "os polos ao leste e oeste do mundo são portas para novas terras, talvez inexploradas, talvez repletas de civilizações desconhecidas" (é nisso que a maioria acredita). Esta é, portanto, a resposta que buscamos. Alguns buscam por terra, outros pelo mar.

Teomund nos contou que essa era será um tanto auspiciosa, cheia de descobertas incríveis, caso os heróis de hoje saibam onde procurar. Ele diz que as estrelas funcionam como um grande mapa do destino, embora tenha se limitado à esta comparação e não tenha mais explorado o assunto de forma mais detalhada - o que me decepcionou bastante. As ruínas dos gigantes de outrora parece o lugar certo para começar a juntar esses indícios do mundo novo. Ela foi descoberta em meados dos primeiros anos dessa era - se não me engano no vigésimo segundo ano - e, portanto, um descobrimento bastante recente.

Essas ruínas se encontram do outro lado da grande selva, longe de todas as tribos de Chattur'gah, lugar onde os xamãs chamam de repouso do antigos, pois aqui vivem os senhores da antiguidade que são tão poderosos quanto misteriosos e existem por um motivo ainda mais secreto - posso lhe dar nomes como Kaiross e Asafe, mas existem tantos outros que ainda não houve tempo para catalogá-los.

Teomund nos teleportou quilômetros distantes da ruína e nos explicou que seria perigoso realizar uma teleportação mais exata, pois uma magia ancestral protege os limites dessas terras e ela se mantém poderosa desde o início dos tempos. Assim, fizemos parte de nossa jornada como meu deus prefere: a pé.

Cada um de nós está aqui por um motivo pessoal - além do financeiro, que nunca pode ser recusado, é claro - e para esta missão tivemos apoio das quatro maiores potências de Draganoth - falo dos Principados de Citadel, das planícies eternas de Azran, das terras vulcânicas de Sazancross e, é claro, da Ordem Arcana de Mordae - além de reinados menores, porém não tão vastos como a Diocese Velaskiana, Dechaeon e Corantha. Quéops nos mandou Sethos e de Chattur'gah veio Freya. 

O resto de nós saiu da cabana de pedra que se despedaçou e foi engolida pela natureza de Chattur'gah. Estávamos à espera de um guia que pudesse nos encaminhar adentro das ruínas e este, não tão tarde, compareceu...

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1 Comentários

  1. Surpresa bacana.
    Fred me chamou para jogar um mesa dele que ira se passar em um universo alternativo de Draganoth. Decidi por fazer uma versão de um personagem antigo nesse universo novo e pensei em revisitar o único personagem que com muito esforço consegui interpretar direito e chegando aqui descubro que ele virou essa criatura foda! esse Imortal. muito bacana! que venha agora o Sethos no Sethosverso! hahaha

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