O primeiro dos contos

[Esta narrativa descreve ocorridos antes da jornada dos heróis na Espinha do Mundo, antes mesmo do retorno de Ophellia para Brastav, com o corpo de seu irmão]




Elessar está desmaiado.


O corpo em repouso na pedra. Ele nunca esteve ali. É úmido, escuro e secreto. Uma presença escura espera pacientemente o mago tomar consciência. Globos de luz arroxeados flutuam no ar da caverna, dançando uma valsa lenta. Elessar sente o chão desaparecer e a escuridão devorá-lo, jogando-o numa garganta de sombras eternas onde a queda e o frio fazem seu coração palpitar de angústia. O ar mal lhe entra pelo nariz. O medo o contagia de desespero e ele grita. 

Então, acorda.


Era um sonho, afinal. Agora ele pode sentir o chão sob seus pés, mas as sombras ainda estão lá. Uma, especificamente, anda, gesticula e olha pra ele e, por alguma razão, Elessar sente-se magnetizado pelo seu espectador.

- Erga-se, Elessar. Se não é você aquele a qual os mistérios do conhecimento tanto venera e pelo qual ando esperando a muito pela chance de ser o salva-guarda de sua morte.

A audição de Elessar ainda se ocupava com a sonolência. Sentiu o dolorido do corpo e, sem a necessidade de continuar cedendo às tentações do medo, levantou-se e focou seus olhos na única imagem viva daquela câmara cavernosa.

- Conheço você. Eu posso estar enganado, mas sinto-me seguro o suficiente para dar-lhe um nome. Você é Lathandril, o elfo negro, senhor do conhecimento e patrono dos negligentes arcanos, aquele no qual, dentre todos os patamares da lista negra da Inquisição, é o de posição mais elevada.

- Me encarar e, logo em seguida, dar-me o título de criminoso é o tipo de presunção que esperava de você, Elessar. Muito me animo por dispensarmos as apresentações.

- Porque você me trouxe aqui? ... supondo que tenha sido mesmo você quem o fez.

-  Certamente que fui eu, porém, o motivo ainda é misterioso, inclusive para mim.

- Sinto muito pela minha discordância, mas você não vai conseguir me convencer de que estou aqui por aleatoriedade.

- Correto novamente. Você não está aqui por mera sorte, mas para que nós dois conheçamos a verdade, devemos nos guiar pela única luz que permeia por essas antigas cavernas nas profundezas de Azran.

Perspicaz, Elessar não durou a perceber que aquela era a sua única alternativa e seguiu o estranho Lathandril caverna adentro, supondo também que nenhuma pergunta que pudesse fazer teria resposta até que ambos chegassem ao lugar esperado pelo elfo negro

A caverna escura era um breu frio e atordoante. As paredes causavam vertigem ao mago da Inquisição que só podia compará-las a um céu noturno muito distante, apinhado de pequenas estrelas minúsculas ou o pó de uma grande estrela que um dia deixou de existir. Existia, porém, a tal "única luz" que Lathandril citou e ela sempre parecia estar ao norte, como se marcasse o final de um longo e sinuoso túnel que ofuscava a visão dos elfos conforme sua chegada se aproximava.


Eis que a luz no final de tudo cegou ambos os arcanos. Eles levaram seus mantos aos rostos em busca da minúcia inexistente de sombra. Seus olhos ficaram trêmulos até que se acostumassem com a mudança repentina de luminosidade e, logo a frente, a silhueta de outro ser os cercava. Este era feito de luz, mas não a luz calorosa do sol ou a claridade conjurada por magia, era uma luz de lança, de um prata que se confundia com o brilho espelhado de vidros estilhaçados, formando um destoante conjunto de luzes refletindo e racionando a luminosidade como uma clepsidra.

Os olhos ganharam foco e a silhueta destoante aos poucos ganhou forma e esta não podia ser mais humana. Apesar disso, Elessar permitiu-se espantar. A principal característica do que antes era a silhueta, eram seus olhos negros como a escuridão das profundezas de um poço, limpo e vertiginoso. A pele pálida declarava que aquele humano, que antes era luz, pouco conheceu o sol.

- Desconheço a saudação para esta ocasião, soberanos, mas basta-me revelar que a muito tempo espero pela aparição de vocês. Espero mesmo desde antes de saber que os esperava, ou sequer sabia seus nomes. Espero como outros esperaram.

A mente de Elessar trabalhava à mil enquanto ele tentava reconhecer aqueles traços em alguém ou alguma coisa. O inquisidor teve a estranha e angustiante sensação de que aquela informação lhe foi tirada da mente por alguma coisa muito maior. não conseguia sequer desviar o olhar.

- Esta é a sensação que um deus nos causa, Elessar - revelou Lathandril - especialmente os punidos pelo esquecimento.

Elessar tinha a sensação de estar pisando em um pátio de vidro transparente, cujo outro lado só existia a escuridão de um espaço governado pelos pequenos pontos de iluminação estelar. A proeminência daquela galáxia concentrava-se nas costas do ser que agora era visivelmente cercado por um anel planetário, uma circunferência oval carregada de pequenas e cintilantes pedras iônicas.

- Este é Aensell, o deus esquecido, senhor do zodíaco e da Teoria do Acaso.

Nenhuma pergunta veio à mente de Elessar. O elfo teve medo de pensar. Teve medo que seu pensamento o matasse, mas ele não iria morrer naquele momento.

- Vieste até mim para concretizar algo maior, meu soberano - falou Aensell e sua voz vinha de outros planetas - e o fará e encontrará a morte e, após, tornará-se mais uma das muitas estrelas e seu consciente persistirá.

Elessar queria ouvir.

E ouviu.

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