A casca

Violet


─ Então, é aqui? Fim de linha? ─ questionou Derek.

                Os quatro, enfim, chegaram até onde a voz insistira os encaminhar. Havia nada além da formação rochosa que compunha o anel montanhoso que circunda o Túmulo de Thalladoran.

─ Acho que devemos parar e esperar. O conhecimento exige paciência ─ explicou Laelsen, para o desgosto de Derek que a tudo gosta de fazer às pressas.

                Sentaram-se novamente. Halig não tirou as botas dessa vez. Derek não tinha mais paciência para contar nuvens. Violet era a única cuja pausa não afetara, continuou a averiguar cada migalha de nunca-visto que se revelava diante seus olhos.

─ Lael, não te preocupa ser, quero dizer, existir (!) para ser o servo de algo que decidiu não se revelar desde o início? ─ perguntou Halig.

─ Não me sinto um servo, Hal. Me sinto como algo que, não tenho certeza, mas parece ser maior do que isso. Me sinto como uma “casca”, acho que é isso.

─ Uma casca? – intrometeu-se o entediado Derek ─ como isso pode ser algo maior do que ser um servo?

Laelsen refletiu sobre a resposta antes de começar seu discurso:

─ Em meados de um tempo cuja Quarta Era de Draganoth ainda estava sendo escrita, Lorde Splendor, enfraqueceu. Ele decidiu, por algum motivo que talvez somente um deus seja capaz de deduzir, que os resquícios de sua essência fossem plantados no reinado. Nasceram, então, os Mártires, as vozes do deus da justiça. Foram moldados em corpos quem não tinham sangue, mas eram preenchidos com luz. Suas órbitas emanavam a mesma luminescência da auréola de um anjo e suas robustezas impediam o sofrimento da dor.

─ Já ouvi falar disso ─ continuou Halig ─ chamavam-se “Mártires consagrados”. Eram doze, eu acho.

─ Nunca soubemos realmente quantos pedaços da essência de Splendor andaram pelo reinado ─ explicou Lael.

─ Mas é isto que está escrito no décimo quarto livro vermelho...

─ Os livros vermelhos foram escritos por mortais.

─ Lá também diz que a humanidade falhou em relação aos mártires. Duvidamos das últimas bênçãos de Splendor e a massacramos sem que ao menos outros deuses precisassem nos influenciar.

─ Acho difícil que um deus tenha falhado tão miseravelmente na matemática de sua própria profecia.

                Halig decidira encerrar sua intromissão na conversa, pois começara a notar o pedantismo nas respostas de Laelsen. Halig conhecia o amigo, ele não gostava de ser questionado em determinados assuntos, rebatia-os com uma sagacidade que às vezes nem era notada pelo outro lado, sempre com uma razão que estava acima dos pensamentos rasos da maioria, pelo menos foi isso que Halig conseguiu tirar das poucas discussões que tivera com Lael. No final do dia, quando refletia sobre as argumentações do amigo, enfim conseguia entender seu ponto de vista cheio de frieza e isso o fazia temer o mundo como, afinal, este realmente é.

─ Os mártires eram uma casca ─ concluiu Laelsen.
      
          Em voo rápido, uma mariposa rodopiou ao redor da cabeça de Violet. Isso encantou a pequena que, entusiasmada, iniciou a difícil tarefa de tentar agarrar o inseto enquanto este ainda estava a seu alcance. Seus pequenos passinhos a guiaram até o acumulado de pedras no meio do caminho, onde ela vira a mariposa adentrar uma estreita fissura.

Primeiro, tentou enxergar o que havia dentro do buraco, mas se deparou com uma escuridão impossível, depois encostou o ouvido entre as pedras e o que sentiu foi o hálito frio que soprou em seu rosto:

─ Você pode entrar... ─ sussurrou uma voz feminina.

                Como Violet decidira reagir foi o mais surpreendente, pois até então, seu rosto apenas esboçara o medo constante de estar numa jornada cujos resultados eram imprevisíveis. Ela encostou os lábios na fissura e respondeu de volta:

─ Abra...

                O barulho nas pedras denunciara a conversação. Lael, Halig e Derek se puseram de pé alertas e o que viram foi Violet em frente à entrada de uma caverna antes oculta.

─ Continuamos por ali – indicou Laelsen.


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